25.12.09

ΣΑΠΦΩ. Η ΔΕΚΑΤΗ ΜΟΥΣΑ 3

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Honras a Safo
Sua poesia era considerada das mais sublimes. Dentre os gregos que lhe foram contemporâneos e pósteros, Safo era considerada uma dos chamados "Nove Poetas Líricos" (os outros eram: Álcman, Alceu, Estesicoro, Ibico, Anacreonte, Simonides, Píndaro e Baquilides). Estrabão escrevera que "Safo era maravilhosa pois em todos os tempos que temos conhecimento não sei de outra mulher que a ela se tenha comparado, ainda que de leve, em matéria de talento poético."
Assim como Homero era conhecido como "o Poeta", Safo era conhecida como "a Poetisa".
Narram, ainda, os historiadores, que tendo Excetides declamado um canto de louvor a Safo para Sólon, seu tio, este pediu que o moço o ensinasse todo, de tanto que o agradou. Alguém então perguntou-lhe para quê queria tal coisa, ao que o célebre jurista respondeu: "Quero aprendê-lo, e depois morrer!" (pt.wikipedia.org)
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Jules Elie Delaunay - Miquel Carbonell i Selva

10.12.09

ΣΑΠΦΩ. Η ΔΕΚΑΤΗ ΜΟΥΣΑ 2

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A escola de Safo - o amor em Lesbos
Concebeu Safo uma escola para moças, onde lecionaria a poesia, dança e música - considerada a primeira "escola de aperfeiçoamento" da História. Ali as discípulas eram chamadas de hetairai (amigas) e não alunas... E a mestra apaixona-se por suas amigas, todas... dentre elas, aquela que viria a tornar-se sua maior amante, Atis - a favorita, que descrevia sua mestra como vestida em ouro e púrpura, coroada de flores. Mas Atis apaixona-se por um moço e, com ciúmes, Safo dedica-lhe os versos:
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"Semelhante aos deuses parece-me que há de ser o feliz
mancebo que, sentado à tua frente, ou ao teu lado,
te contemple e, em silêncio, te ouça a argêntea voz
e o riso abafado do amor. Oh, isso - isso só - é bastante
para ferir-me o perturbado coração, fazendo-o tremer
dentro do meu peito!
Pois basta que, por um instante, eu te veja
para que, como por magia, minha voz emudeça;
sim, basta isso, para que minha língua se paralise,
e eu sinta sob a carne impalpável fogo
a incendiar-me as entranhas.
Meus olhos ficam cegos e um fragor de ondas
soa-me aos ouvidos;
o suor desce-me em rios pelo corpo, um tremor (...)
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A aluna foi retirada da Escola por seus pais, e Safo escreve que "seria bem melhor para mim se tivesse morrido". (pt.wikipedia.org)
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Charles Nicolas Rafael Lafond - Joseph_Stieler - Édouard-Henri Avril

25.11.09

ΣΑΠΦΩ. Η ΔΕΚΑΤΗ ΜΟΥΣΑ 1

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Há quem afirme serem nove as musas. Que erro!
Pois não vêem que Safo de Lesbos é a décima?

— Platão

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Charles Mengin - Charles Gleyre
John William Godward - Gustav Klimt - Soma Orlai Petrics

10.11.09

ΜΑΣΑΝΤΟΥ ΝΤΕ ΑΣΙΣ: ΠΥΛΑΔΗΣ ΚΑΙ ΟΡΕΣΤΗΣ

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Pílades e Orestes
por Machado de Assis
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Quintanilha engendrou Gonçalves. Tal era a impressão que davam os dois juntos, não que se parecessem. Ao contrário, Quintanilha tinha o rosto redondo, Gonçalves comprido, o primeiro era baixo e moreno, o segundo alto e claro, e a expressão total divergia inteiramente. Acresce que eram quase da mesma idade. A idéia da paternidade nascia das maneiras com que o primeiro tratava o segundo; um pai não se desfaria mais em carinhos, cautelas e pensamentos.
Tinham estudado juntos, morado juntos, e eram bacharéis do mesmo ano. Quintanilha não seguiu advocacia nem magistratura, meteu-se na política; mas, eleito deputado provincial em 187... cumpriu o prazo da legislatura e abandonou a carreira. Herdara os bens de um tio, que lhe davam de renda cerca de trinta contos de réis. Veio para o seu Gonçalves, que advogava no Rio de Janeiro.
Posto que abastado, moço, amigo do seu único amigo, não se pode dizer que Quintanilha fosse inteiramente feliz, como vais ver. Ponho de lado o desgosto que lhe trouxe a herança com o ódio dos parentes; tal ódio foi que ele esteve prestes a abrir mão dela, e não o fez porque o amigo Gonçalves, que lhe dava idéias e conselhos, o convenceu de que semelhante ato seria rematada loucura.
— Que culpa tem você que merecesse mais a seu tio que os outros parentes? Não foi você que fez o testamento nem andou a bajular o defunto, como os outros. Se ele deixou tudo a você, é que o achou melhor que eles; fique-se com a fortuna que é a vontade do morto, e não seja tolo.
Quintanilha acabou concordando. Dos parentes alguns buscaram reconciliar-se com ele, mas o amigo mostrou-lhe a intenção recôndita dos tais, e Quintanilha não lhes abriu a porta. Um desses, ao vê-lo ligado com o antigo companheiro de estudos, bradava por toda a parte:
— Aí está, deixa os parentes para se meter com estranhos; há de ver o fim que leva.
Ao saber disto, Quintanilha correu a contá-lo a Gonçalves, indignado. Gonçalves sorriu, chamou-lhe tolo e aquietou-lhe o ânimo; não valia a pena irritar-se por ditinhos.
— Uma só coisa desejo, continuou, é que nos separemos, para que se não diga...
— Que se não diga o quê? É boa! Tinha que ver, se eu passava a escolher as minhas amizades conforme o capricho de alguns peraltas sem-vergonha!
— Não fale assim, Quintanilha. Você é grosseiro com seus parentes.
— Parentes do diabo que os leve! Pois eu hei de viver com as pessoas que me forem designadas por meia dúzia de velhacos que o que querem é comer-me o dinheiro? Não, Gonçalves; tudo o que você quiser, menos isso. Quem escolhe os meus amigos sou eu, é o meu coração. Ou você está... está aborrecido de mim?
— Eu? Tinha graça.
— Pois então?
— Mas é...
— Não é tal!
A vida que viviam os dois era a mais unida deste mundo. Quintanilha acordava, pensava no outro, almoçava e ia ter com ele. Jantavam juntos, faziam alguma visita, passeavam ou acabavam a noite no teatro. Se Gonçalves tinha algum trabalho que fazer à noite, Quintanilha ia ajudá-lo como obrigação; dava busca aos textos de lei, marcava-os, copiava-os, carregava os livros. Gonçalves esquecia com facilidade, ora um recado, ora uma carta, sapatos, charutos, papéis. Quintanilha supria-lhe a memória. Às vezes, na Rua do Ouvidor, vendo passar as moças, Gonçalves lembrava-se de uns autos que deixara no escritório. Quintanilha voava a buscá-los e tornava com eles, tão contente que não se podia saber se eram autos, se a sorte grande; procurava-o ansiosamente com os olhos, corria, sorria, morria de fadiga.
— São estes?
— São; deixa ver, são estes mesmos. Dá cá.
— Deixa, eu levo.
A princípio, Gonçalves suspirava:
— Que maçada que dei a você!
Quintanilha ria do suspiro com tão bom humor que o outro, para não o molestar, não se acusou de mais nada; concordou em receber os obséquios. Com o tempo, os obséquios ficaram sendo puro ofício. Gonçalves dizia ao outro: "Você hoje há de lembrar-me isto e aquilo." E o outro decorava as recomendações, ou escrevia-as, se eram muitas. Algumas dependiam de horas; era de ver como o bom Quintanilha suspirava aflito, à espera que chegasse tal ou tal hora para ter o gosto de lembrar os negócios ao amigo. E levava-lhe as cartas e papéis, ia buscar as respostas, procurar as pessoas, esperá-las na estrada de ferro, fazia viagens ao interior. De si mesmo descobria-lhe bons charutos, bons jantares, bons espetáculos. Gonçalves já não tinha liberdade de falar de um livro novo, ou somente caro, que não achasse um exemplar em casa.
— Você é um perdulário, dizia-lhe em tom repreensivo.
— Então gastar com letras e ciências é botar fora? É, boa! concluía o outro.
No fim do ano quis obrigá-lo a passar fora as férias. Gonçalves acabou aceitando, e o prazer que lhe deu com isto foi enorme. Subiram a Petrópolis. Na volta, serra abaixo, como falassem de pintura, Quintanilha advertiu que não tinham ainda uma tela com o retrato dos dois, e mandou fazê-la. Quando a levou ao amigo, este não pôde deixar de lhe dizer que não prestava para nada. Quintanilha ficou sem voz.
— É uma porcaria, insistiu Gonçalves.
— Pois o pintor disse-me...
— Você não entende de pintura, Quintanilha, e o pintor aproveitou a ocasião para meter a espiga. Pois isto é cara decente? Eu tenho este braço torto?
— Que ladrão!
— Não, ele não tem culpa, fez o seu negócio; você é que não tem o sentimento da arte, nem prática, e espichou-se redondamente. A intenção foi boa, creio...
— Sim, a intenção foi boa.
— E aposto que já pagou?
— Já.
Gonçalves abanou a cabeça, chamou-lhe ignorante e acabou rindo. Quintanilha, vexado e aborrecido, olhava para a tela, até que sacou de um canivete e rasgou-a de alto a baixo. Como se não bastasse esse gesto de vingança, devolveu a pintura ao artista com um bilhete em que lhe transmitiu alguns dos nomes recebidos e mais o de asno. A vida tem muitas de tais pagas. Demais, uma letra de Gonçalves que se venceu dali a dias e que este não pôde pagar, veio trazer ao espírito de Quintanilha uma diversão. Quase brigaram; a idéia de Gonçalves era reformar a letra; Quintanilha, que era o endossante, entendia não valer a pena pedir o favor por tão escassa quantia (um conto e quinhentos), ele emprestaria o valor da letra, e o outro que lhe pagasse, quando pudesse. Gonçalves não consentiu e fez-se a reforma. Quando, ao fim dela, a situação se repetiu, o mais que este admitiu foi aceitar uma letra de Quintanilha, com o mesmo juro.
— Você não vê que me envergonha, Gonçalves? Pois eu hei de receber juro de você...?
— Ou recebe, ou não fazemos nada.
— Mas, meu querido...
Teve que concordar. A união dos dois era tal que uma senhora chamava-lhes os "casadinhos de fresco", e um letrado, Pílades e Orestes). Eles riam, naturalmente, mas o riso de Quintanilha trazia alguma coisa parecida com lágrimas: era, nos olhos, uma ternura úmida. Outra diferença é que o sentimento de Quintanilha tinha uma nota de entusiasmo, que absolutamente faltava ao de Gonçalves; mas, entusiasmo não se inventa. É claro que o segundo era mais capaz de inspirá-lo ao primeiro do que este a ele. Em verdade, Quintanilha era mui sensível a qualquer distinção; uma palavra, um olhar bastava a acender-lhe o cérebro. Uma pancadinha no ombro ou no ventre, com o fim de aprová-lo ou só acentuar a intimidade, era para derretê-lo de prazer. Contava o gesto e as circunstâncias durante dois e três dias.
Não era raro vê-lo irritar-se, teimar, descompor os outros. Também era comum vê-lo rir-se; alguma vez o riso era universal, entornava-se-lhe da boca, dos olhos, da testa, dos braços, das pernas, todo ele era um riso único. Sem ter paixões, estava longe de ser apático.
A letra sacada contra Gonçalves tinha o prazo de seis meses. No dia do vencimento, não só não pensou em cobrá-la, mas resolveu ir jantar a algum arrabalde para não ver o amigo, se fosse convidado à reforma. Gonçalves destruiu todo esse plano; logo cedo, foi levar-lhe o dinheiro. O primeiro gesto de Quintanilha foi recusá-lo, dizendo-lhe que o guardasse, podia precisar dele; o devedor teimou em pagar e pagou.
Quintanilha acompanhava os atos de Gonçalves; via a constância do seu trabalho, o zelo que ele punha na defesa das demandas, e vivia cheio de admiração. Realmente, não era grande advogado, mas na medida das suas habilitações, era distinto.
— Você por que não se casa? perguntou-lhe um dia; um advogado precisa casar.
Gonçalves respondia rindo. Tinha uma tia, única parenta, a quem ele queria muito, e que lhe morreu, quando eles iam em trinta anos. Dias depois, dizia ao amigo:
— Agora só me resta você.
Quintanilha sentiu os olhos molhados, e não achou que lhe respondesse. Quando se lembrou de dizer que "iria até à morte" era tarde. Redobrou então de carinhos, e um dia acordou com a idéia de fazer testamento. Sem revelar nada ao outro, nomeou-o testamenteiro e herdeiro universal.
— Guarde-me este papel, Gonçalves, disse-lhe entregando o testamento. Sinto-me forte, mas a morte é fácil, e não quero confiar a qualquer pessoa as minhas últimas vontades.
Foi por esse tempo que sucedeu um caso que vou contar.
Quintanilha tinha uma prima segunda, Camila, moça de vinte e dois anos, modesta, educada e bonita. Não era rica; o pai, João Bastos, era guarda-livros de uma casa de café. Haviam brigado por ocasião da herança; mas, Quintanilha foi ao enterro da mulher de João Bastos, e este ato de piedade novamente os ligou. João Bastos esqueceu facilmente alguns nomes crus que dissera do primo, chamou-lhe outros nomes doces, e pediu-lhe que fosse jantar com ele. Quintanilha foi e tornou a ir. Ouviu ao primo o elogio da finada mulher; numa ocasião em que Camila os deixou sós, João Bastos louvou as raras prendas da filha, que afirmava haver recebido integralmente a herança moral da mãe.
— Não direi isto nunca à pequena, nem você lhe diga nada. É modesta, e, se começarmos a elogiá-la, pode perder-se. Assim, por exemplo, nunca lhe direi que é tão bonita como foi a mãe, quando tinha a idade dela; pode ficar vaidosa. Mas a verdade é que é mais, não lhe parece? Tem ainda o talento de tocar piano, que a mãe não possuía.
Quando Camila voltou à sala de jantar, Quintanilha sentiu vontade de lhe descobrir tudo, conteve-se e piscou o olho ao primo. Quis ouvi-la ao piano; ela respondeu, cheia de melancolia:
— Ainda não, há apenas um mês que mamãe faleceu, deixe passar mais tempo. Demais, eu toco mal.
— Mal?
— Muito mal.
Quintanilha tornou a piscar o olho ao primo, e ponderou à moça que a prova de tocar bem ou mal só se dava ao piano. Quanto ao prazo, era certo que apenas passara um mês; todavia era também certo que a música era uma distração natural e elevada. Além disso, bastava tocar um pedaço triste. João Bastos aprovou este modo de ver e lembrou uma composição elegíaca. Camila abanou a cabeça.
— Não, não, sempre é tocar piano; os vizinhos são capazes de inventar que eu toquei uma polca.
Quintanilha achou graça e riu. Depois concordou e esperou que os três meses fossem passados. Até lá, viu a prima algumas vezes, sendo as três últimas visitas mais próximas e longas. Enfim, pôde ouvi-la tocar piano, e gostou. O pai confessou que, ao princípio, não gostava muito daquelas músicas alemãs; com o tempo e o costume achou-lhes sabor. Chamava à filha "a minha alemãzinha", apelido que foi adotado por Quintanilha apenas modificado para o plural: "a nossa alemãzinha". Pronomes possessivos dão intimidade; dentro em pouco, ela existia entre os três — ou quatro, se contarmos Gonçalves, que ali foi apresentado pelo amigo; — mas fiquemos nos três.
Que ele é coisa já farejada por ti, leitor sagaz. Quintanilha acabou gostando da moça. Como não, se Camila tinha uns longos olhos mortais? Não é que os pousasse muita vez nele, e, se o fazia, era com tal ou qual constrangimento, a princípio como as crianças que obedecem sem vontade às ordens do mestre ou do pai; mas pousava-os, e eles eram tais que, ainda sem intenção, feriam de morte. Também sorria com freqüência e falava com graça. Ao piano, e por mais aborrecida que tocasse, tocava bem. Em suma, Camila não faria obra de impulso próprio, sem ser por isso menos feiticeira. Quintanilha descobriu um dia de manhã que sonhara com ela a noite toda, e à noite que pensara nela todo o dia, e concluiu da descoberta que a amava e era amado. Tão tonto ficou que esteve prestes a imprimi-lo nas folhas públicas. Quando menos, quis dizê-lo ao amigo Gonçalves e correu ao escritório deste. A afeição de Quintanilha complicava-se de respeito e temor. Quase a abrir a boca, engoliu outra vez o segredo. Não ousou dizê-lo nesse dia nem no outro. Antes dissesse; talvez fosse tempo de vencer a campanha. Adiou a revelação por uma semana. Um dia foi jantar com o amigo, e, depois de muitas hesitações, disse-lhe tudo; amava a prima e era amado.
— Você aprova, Gonçalves?
Gonçalves empalideceu — ou, pelo menos, ficou sério; nele a seriedade confundia-se com a palidez. Mas, não; verdadeiramente ficou pálido.
— Aprova? repetiu Quintanilha.
Após alguns segundos, Gonçalves ia abrir a boca para responder, mas fechou-a de novo, e fitou os olhos "em ontem", como ele mesmo dizia de si, quando os estendia ao longe. Em vão Quintanilha teimou em saber o que era, o que pensava, se aquele amor era asneira. Estava tão acostumado a ouvir-lhe este vocábulo que já lhe não doía nem afrontava, ainda em matéria tão melindrosa e pessoal. Gonçalves tornou a si daquela meditação, sacudiu os ombros, com ar desenganado, e murmurou esta palavra tão surdamente que o outro mal a pôde ouvir:
— Não me pergunte nada; faça o que quiser.
— Gonçalves, que é isso? perguntou Quintanilha, pegando-lhe nas mãos, assustado.
Gonçalves soltou um grande suspiro, que, se tinha asas, ainda agora estará voando. Tal foi, sem esta forma paradoxal, a impressão de Quintanilha. O relógio da sala de jantar bateu oito horas, Gonçalves alegou que ia visitar um desembargador, e o outro despediu-se.
Na rua, Quintanilha parou atordoado. Não acabava de entender aqueles gestos, aquele suspiro, aquela palidez, todo o efeito misterioso da notícia dos seus amores. Entrara e falara, disposto a ouvir do outro um ou mais daqueles epítetos costumados e amigos, idiota, crédulo, paspalhão, e não ouviu nenhum. Ao contrário, havia nos gestos de Gonçalves alguma coisa que pegava com o respeito. Não se lembrava de nada, ao jantar, que pudesse tê-lo ofendido; foi só depois de lhe confiar o sentimento novo que trazia a respeito da prima que o amigo ficou acabrunhado.
— Mas, não pode ser, pensava ele; o que é que Camila tem que não possa ser boa esposa?
Nisto gastou, parado, defronte da casa, mais de meia hora. Advertiu então que Gonçalves não saíra. Esperou mais meia hora, nada. Quis entrar outra vez, abraçá-lo, interrogá-lo... Não teve forças; enfiou pela rua fora, desesperado. Chegou à casa de João Bastos, e não viu Camila; tinha-se recolhido, constipada. Queria justamente contar-lhe tudo, e aqui é preciso explicar que ele ainda não se havia declarado à prima. Os olhares da moça não fugiam dos seus; era tudo, e podia não passar de faceirice. Mas o lance não podia ser melhor para clarear a situação. Contando o que se passara com o amigo, tinha o ensejo de lhe fazer saber que a amava e ia pedi-la ao pai. Era uma consolação no meio daquela agonia; o acaso negou-lha, e Quintanilha saiu da casa, pior do que entrara. Recolheu-se à sua.
Não dormiu antes das duas horas da manhã, e não foi para repouso, senão para agitação maior e nova. Sonhou que ia a atravessar uma ponte velha e longa, entre duas montanhas, e a meio caminho viu surdir debaixo um vulto e fincar os pés defronte dele. Era Gonçalves. "Infame, disse este com os olhos acesos, por que me vens tirar a noiva de meu coração, a mulher que eu amo e é minha? Toma, toma logo o meu coração, é mais completo." E com um gesto rápido abriu o peito, arrancou o coração e meteu-lho na boca. Quintanilha tentou pegar da víscera amiga e repô-la no peito de Gonçalves; foi impossível. Os queixos acabaram por fechá-la. Quis cuspi-la, e foi pior; os dentes cravaram-se no coração. Quis falar, mas vá alguém falar com a boca cheia daquela maneira. Afinal o amigo ergueu os braços e estendeu-lhe as mãos com o gesto de maldição que ele vira nos melodramas, em dias de rapaz; logo depois, brotaram-lhe dos olhos duas imensas lágrimas, que encheram o vale de água, atirou-se abaixo e desapareceu. Quintanilha acordou sufocado.
A ilusão do pesadelo era tal que ele ainda levou as mãos à boca, para arrancar de lá o coração do amigo. Achou a língua somente, esfregou os olhos e sentou-se. Onde estava? Que era? E a ponte? E o Gonçalves? Voltou a si de todo, compreendeu e novamente se deitou, para outra insônia, menor que a primeira, é certo; veio a dormir às quatro horas.
De dia, rememorando toda a véspera, realidade e sonho, chegou à conclusão de que o amigo Gonçalves era seu rival, amava a prima dele, era talvez amado por ela... Sim, sim, podia ser. Quintanilha passou duas horas cruéis. Afinal pegou em si e foi ao escritório de Gonçalves, para saber tudo de uma vez; e, se fosse verdade, sim, se fosse verdade...
Gonçalves redigia umas razões de embargo. Interrompeu-as para fitá-lo um instante, erguer-se, abrir o armário de ferro, onde guardava os papéis graves, tirar de lá o testamento de Quintanilha, e entregá-lo ao testador.
— Que é isto?
— Você vai mudar de estado, respondeu Gonçalves, sentando-se à mesa.
Quintanilha sentiu-lhe lágrimas na voz; assim lhe pareceu, ao menos. Pediu-lhe que guardasse o testamento; era o seu depositário natural. Instou muito; só lhe respondia o som áspero da pena correndo no papel. Não corria bem a pena, a letra era tremida, as emendas mais numerosas que de costume, provavelmente as datas erradas. A consulta dos livros era feita com tal melancolia que entristecia o outro. Às vezes, parava tudo, pena e consulta, para só ficar o olhar fito "em ontem".
— Entendo, disse Quintanilha subitamente; ela será tua.
— Ela quem? quis perguntar Gonçalves, mas já o amigo voava, escada abaixo, como uma flecha, e ele continuou as suas razões de embargo.
Não se adivinha todo o resto; basta saber o final. Nem se adivinha nem se crê; mas a alma humana é capaz de esforços grandes, no bem como no mal. Quintanilha fez outro testamento, legando tudo à prima, com a condição de desposar o amigo. Camila não aceitou o testamento, mas ficou tão contente, quando o primo lhe falou das lágrimas de Gonçalves, que aceitou Gonçalves e as lágrimas. Então Quintanilha não achou melhor remédio que fazer terceiro testamento legando tudo ao amigo.
O final da história foi dito em latim. Quintanilha serviu de testemunha ao noivo, e de padrinho aos dois primeiros filhos. Um dia em que, levando doces para os afilhados, atravessava a Praça Quinze de Novembro, recebeu uma bala revoltosa Sófocles. Orai por ele!
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Machado de Assis

25.10.09

ΟΡΕΣΤΗΣ ΚΑΙ ΠΥΛΑΔΗΣ

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Orestes e Pílades
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Na mitologia grega, Orestes era filho do rei Agamemnon de Micenas e da rainha Clitemnestra, e irmão mais novo de Ifigênia e Electra.
Clitemnestra e seu amante, Egisto, mataram Agamemnon quando este voltava da guerra de Tróia. Único que poderia vingar o crime, Orestes foi à Fócida, porque suspeitava que o amante de sua mãe pretendia matá-lo também. Ali cresceu em segurança na corte de Estrófio e ficou amante do filho deste, seu primo, Pílades. Ao tornar-se adulto, em obediência às ordens de Apolo, Orestes matou a mãe e Egisto. Perseguido pelas Erínias, refugiou-se no santuário de Apolo em Delfos. Julgado por seu crime em Atenas, o voto da deusa Atena desempatou o resultado a seu favor.
Novamente por ordem de Apolo, Orestes partiu para a Táurida a fim de roubar a estátua de Artemis e devolvê-la à cidade de Atenas. Preso com Pílades, foi condenado a ser sacrificado à deusa, mas sua irmã Ifigênia, sacerdotisa de Artemis, reconheceu-o e fugiu com ele e com Pílades, levando a estátua da deusa. Salvo, herdou o reino de Agamemnon, a que anexou Esparta e Épiro, depois do casamento com Hermíone, filha de Menelau e de Helena e teve um filho, Tisamenós. Morreu aos noventa anos picado por uma serpente.
Pílades se caso com Electra, mas não teve filhos (pt.wikipedia.org)
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Pompéia: Orestes, Pílades e Ifigênia
Pompéia: Orestes e Pílades

10.10.09

ΠΑΝΑΣ ΚΑΙ ΔΑΦΝΙΣ

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Escultura de Pã ensinando Dáfnis a tocar flautas;
cerca de 100 a.C., encontrado em Pompéia.
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Pã (gr. Πάν) era, provavelmente, um antigo deus da fertilidade ligado à natureza e ao pastoreio. Meio-homem, meio-bode, originário da Arcádia, era o deus dos pastores e rebanhos, da caça, das paisagens montanhosas e da música rústica.
Sua ascendência é um tanto nebulosa, mas era considerado, em geral, filho de Hermes e de uma ninfa, ou da filha de Driopos, uma mortal. Tinha chifres, orelhas e pernas de bode, e vivia nas montanhas e florestas da Arcádia caçando, cantando, dançando e perseguindo as ninfas, com escasso sucesso — Sírinx, Eco, Pitis, pelo menos, escaparam dele. Às vezes participava do cortejo que acompanhava Dioniso, e tinha mais sucesso com as mênades.
Quando perturbado no calor do meio-dia, hora em que habitualmente descansava, tornava-se perigoso: estourava manadas, causava pesadelos e induzia terror ("pânico") nos perturbadores (Theoc. 1.16). Às vezes, era responsabilizado pelo pânico noturno, ou pelo medo que os viajantes às vezes sentiam quando passavam por lugares selvagens e ermos.
A "flauta de Pã" (gr. σῦριγξ) foi uma invenção do próprio deus. Pã tocava a flauta com grande maestria e ensinou essa arte a outros, como Dáfnis (em grego antigo Δάφνις, de δάφνη, ‘laurel’, filho de Mercúrio e de uma obscura ninfa da Sicília), o seu erómenos (Cláudio Eliano, Varia Historia x.18.). De acordo com tradições tardias, certa vez desafiou Apolo para um torneio de flautas e Midas, o rei da Frígia que arbitrou a disputa, deu a vitória a Pã. Inconformado, Apolo fez com que crescessem orelhas de burro no juiz.
Segundo Heródoto, o deus foi visto pelo ateniense Fidípides durante as guerras médicas, pouco antes da batalha de Maratona, e prometeu incutir terror nos persas, se os atenienses o reverenciassem. Vencida a batalha pelos atenienses, seu culto foi instituído em uma gruta localizada no sopé da acrópole de Atenas. (greciantiga.org, pt.wikipedia.org)

25.9.09

ΗΡΑΚΛΗΣ ΚΑΙ ΑΒΔΗΡΟΣ

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Na mitologia grega, Abdero teria sido o erómenos de Hércules, que o teria levado, juntamente com outros jovens, até à Trácia onde teria de cumprir o seu oitavo trabalho: de prender as éguas de Diomedes e levá-las a Micenas, que se alimentavam de carne humana. Depois de dominar os criados do rei, levou as égua até ao litoral. Ao ser atacado por indígenas que pretendiam soltar os animais, Hércules viu-se obrigado a deixar as éguas à responsabilidade de Abdero, que não as conseguiu dominar e foi por elas arrastado e devorado. Hércules, que amava Abdero, vingou-se matando Diomedes, dando-o a devorar às suas próprias éguas. Em seguida, fundou a cidade de Abdera, em torno do túmulo de Abdero, onde realizou um conjunto de jogos fúnebres em honra do jovem, consistindo nas provas de pugilato, luta e pancrácio. (pt.wikipedia.org)

10.9.09

ΝΑΡΚΙΣΣΟΣ ΚΑΙ ΑΜΕΙΝΙΑΣ

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Caravaggio: Narciso
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Na mitologia greco-romana, Narciso ou O Auto-Admirador (Língua grega: Νάρκισσος), era um herói do território de Téspias, Beócia, famoso pela sua beleza e orgulho. Várias versões do seu mito sobreviveram: a de Ovídio, das suas Metamorfoses; a de Pausânias, do seu Guia para a Grécia (9.31.7); e uma encontrada entre os papiros encontrados em Nag Hammadi, ou Chenoboskion, também chamada Oxyrhynchus. Era filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope. No dia do seu nascimento, o adivinho Tirésias vaticinou que Narciso teria vida longa desde que jamais contemplasse a própria figura.
Na versão mais arcaica do que a contada por Ovídio nas suas Metamorfoses o orgulhoso e insensível Narciso é punido por ter desprezado todos os seus pretendentes masculinos. Pensa-se que era um conto de aviso dirigido aos rapazes adolescentes. Até recentemente, a única fonte desta versão era um segmento em Pausânias (9.31.7), cerca de 150 anos após Ovídio. Contudo, um relato muito parecido foi descoberto entre os papiros de Oxyrhynchus em 2004, um relato que antecede a versão de Ovídio por pelo menos quinze anos.
Nesta história, Amantis, um jovem, amava Narciso mas era desprezado. Para se livrar do chato Amantis, Narciso deu-lhe uma espada de presente. Amantis usou essa espada para se matar à porta de Narciso e rogou a Némesis que Narciso conhecesse um dia a dor do amor não correspondido. Esta maldição foi cumprida quando Narciso ficou encantado pelo seu reflexo na lagoa e tentou seduzir o belo rapaz, não se apercebendo de que aquele que ele olhava era ele próprio. Completando a simetria do conto, Narciso toma a sua espada e mata-se por desgosto
Diferentes versões da história dizem que Narciso, após desdenhar os seus pretendentes masculinos, foi amaldiçoado pelos deuses para amar o primeiro homem em que pousasse os olhos. Enquanto caminhava pelos jardins de Eco, descobriu a lagoa de Eco e viu o seu reflexo na água. Apaixonando-se profundamente por si próprio, inclinou-se cada vez mais para o seu reflexo na água, acabando por cair na lagoa e se afogar.
Narcisismo
O narcisismo tem o seu nome derivado de Narciso, e ambos derivam da palavra Grega narke, "entorpecido" de onde também vem a palavra narcótico. Assim, para os gregos, Narciso simbolizava a vaidade e a insensibilidade, visto que ele era emocionalmente entorpecido às solicitações daqueles que se apaixonaram pela sua beleza. (pt.wikipedia.org)
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Benczúr Gyula: Narciso

25.8.09

ΑΠΟΛΛΩΝ ΚΑΙ ΥΑΚΙΝΘΟΣ

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Dúrides : Jacinto e Zéfiro
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Na mitologia grega, Jacinto era um jovem mortal muito amado pelas divindades, principalmente por Apolo que o seguia aonde quer que ele fosse. Certa vez em que ambos se divertiam com um jogo, Apolo lançou o disco com tal habilidade para o céu que Jacinto, olhando admirado, correu para o apanhar, ansioso por fazer a sua jogada. Zéfiro (o vento oeste) também amava o jovem e, enciumado pela preferência por Apolo, mudou a direção do disco para que este o atingisse. Ao bater na testa de Jacinto, o disco fez com o jovem caísse morto naquele instante. Apolo correu em desespero até ele e com toda sua habilidade médica tentou reavivar o corpo de Jacinto, mas a sua cura estava além de qualquer habilidade.
Apolo se sentiu tão culpado por sua morte que promete que Jacinto viveria para sempre com ele na memória do seu canto. Sua lira celebraria-o, seu canto entoaria a canção de seu destino e ele se transformaria numa flor. Assim, o sangue de Jacinto que manchara a erva, se transforma numa flor de um colorido mais belo que a púrpura tíria. Uma flor muito semelhante ao lírio, porém, roxa. Nela foi gravada a saudade e o pesar de Apolo com o lamento "Ai! Ai!" que ele escreveu na flor, como até hoje se vê. A flor carrega seu nome e renasce todas as Primaveras relembrando o seu destino.
A flor mencionada não parece ser o jacinto moderno conhecido; talvez se trate de alguma espécie de íris, de esporinha ou de amor-perfeito. (pt.wikipedia.org)
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Tiepolo: A morte do Jacinto
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Jean Broc: A morte do Jacinto

25.7.09

ΑΔΕΛΦΟΠΟΙΗΣΗ. Ο ΓΑΜΟΣ ΤΩΝ ΑΝΔΡΩΝ ΣΤΟ ΒΥΖΑΝΤΙΟ

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A adelphopoiia (adelphopoiesis), costume da igreja ortodoxa, consiste na união, supostamente fraternal, de dois homens, ministrada por um sacerdote. O catedrático da história medieval na Universidade de Yale John Boswell escreveu sobre ela, ao pormenor, no livro Same-Sex Unions in Premodern Europe.
Nas páginas do livro se contém as orações e os ritos integrais, o esclarecimento da etimologia de algumas das palavras usadas e dúzias de exemplos de institucionalização das uniões de casais do mesmo sexo naquela época.
Vale a pena mencionar como exemplo as figuras de Sérgio e Bacchus, dois soldados gregos da época romana, amantes, que foram martirizados e tornados santos: Sérgio foi decapitado enquanto Bacchus observava; em seguida, este foi espancado até à morte. Os dois haviam sido cristãos e unidos pelo amor homossexual. Acabaram por provocar a ira do Imperador, mesmo que não por serem homossexuais, mas por serem cristãos.
Os homens unidos nesta cerimónia (não nos chegaram registos de possíveis uniões públicas entre mulheres naquela altura) eram sepultados juntos.
Há que fazer o esclarecimento que em muitos casos estas uniões supunham tão-só uniões de conveniência, não afectivas nem sexuais, precisa para se reforçar uma família ou evitar a fragmentação duma propriedade. No entanto, este era também o motivo mais frequente das uniões heterossexuais, que em muitos casos não comportavam relação sexual nenhuma. Ainda mais: a própria Igreja promovia estes casamentos heterossexuais «castos».

10.7.09

ΣΩΚΡΑΤΗΣ ΚΑΙ ΑΛΚΙΒΙΑΔΗΣ

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Édouard-Henri Avril:Sócrates e Alcibíades

SÓCRATES E ALCIBÍADES

“Por que honras, sagrado Sócrates,
“Sempre esse jovem? Não conheces nada maior?
“Por que o fitam com amor,
“como aos deuses, os teus olhos?”

Aquele que pensou o mais fundo ama o mais vivaz,
Aquele que encarou o mundo entende a juventude altiva
E enfim frequentemente os sábios
curvam-se aos belos.

Hölderlin, F.: Sókrates und Alcibíades
Sämtliche Werke und Briefe. Vol 1 (Karl Hanser, 1970)
Tradução: Antônio Cícero

25.6.09

ΤΟ ΣΥΜΠΟΣΙΟΝ

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Anselm Feuerbach: Simpósio
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Não muito depois ouve-se a voz de Alcibíades no pátio, bastante embriagado, e a gritar alto, perguntando onde estava Agatão, pedindo que o levassem para junto de Agatão. Levam-no então até os convivas a flautista, que o tomou sobre si, e alguns outros acompanhantes, e ele se detém à porta, cingido de uma espécie de coroa tufada de hera e violetas, coberta a cabeça de fitas em profusão, e exclama: “Senhores! Salve! Um homem em completa embriaguez vós o recebereis como companheiro de bebida, ou deve¬mos partir, tendo apenas coroado Agatão, pelo qual viemos? Pois eu, na verdade, continuou, ontem mesmo não fui capaz de vir; agora porém eis-me aqui, com estas fitas sobre a cabeça, a fim de passá-las da minha para a cabeça do mais sábio e do mais belo, se assim devo dizer. Porventura ireis zombar de mim, de minha embriaguez? Ora, eu, por mais que zombeis, bem sei por¬tanto que estou dizendo a verdade. Mas dizei-me daí mesmo: com o que disse, devo entrar ou não? Bebereis comigo ou não?
Todos então o aclamam e convidam a entrar e a recostar-se, e Agatão o chama. Vai ele conduzido pelos homens, e como ao mesmo tempo colhia as fitas para coroar, tendo-as diante dos olhos não viu Sócrates, e todavia senta-se ao pé de Agatão, entre este e Sócrates, que se afastara de modo a que ele se acomodasse. Sentando-se ao lado de Agatão ele o abraça e o coroa.
Disse então Agatão: - Descalçai Alcibíades, servos, a fim de que seja o terceiro em nosso leito.
- Perfeitamente - tornou Alcibíades; - mas quem é este nosso terceiro companheiro de bebida? E enquanto se volta avista Sócrates, e mal o viu recua em sobressalto e exclama: Por Hércu1es! Isso aqui que e? Tu, ó Sócrates? Espreitando-me de novo aí te deitaste, de súbito aparecendo assim como era teu costume, onde eu menos esperava que haverias de estar? E agora, a que vieste? E ainda por que foi que aqui te recostaste? Pois não foi junto de Aristófanes, ou de qual¬quer outro que seja ou pretenda ser engraçado, mas junto do mais belo dos que estão aqui dentro que maquinaste te deitar.
E Sócrates: - Agatão, vê se me defendes! Que o amor deste homem se me tornou um não pequeno problema. Desde aquele tempo, com efeito, em que o amei, não mais me é permitido dirigir nem o olhar nem a palavra a nenhum belo jovem, serão este homem, enciumado e invejoso, faz coisas extraordinárias, insulta-me e mal retém suas mãos da violência. Vê então se também agora não vai ele fazer alguma coisa, e reconcilia-nos; ou se ele tentar a violência, defende¬-me, pois eu da sua fúria e da sua paixão amorosa muito me arreceio.
- Não! - disse Alcibíades - entre mim e ti não há reconciliação. Mas pelo que disseste depois eu te castigarei; agora porém, Agatão, ex¬clamou ele, passa-me das tuas fitas, a fim de que eu cinja também esta aqui, a admirável cabeça deste homem, e não me censure ele de que a ti eu te coroei, mas a ele, que vence em argumentos todos os homens, não só ontem como tu, mas sempre, nem por isso eu o coroei. - E ao mesmo tempo ele toma das fitas, coroa Sócrates e recosta-se.
Depois que se recostou, disse ele: - Bem, senhores! Vós me pareceis em plena sobriedade. É o que não se deve permitir entre vós, mas beber; pois foi o que foi combinado entre nós. Como chefe então da bebedeira, até que tiverdes suficientemente bebido, eu me elejo a mim mesmo. Eia, Agatão, que a tragam logo, se houver aí alguma grande taça. Melhor ainda, não há nenhuma precisão: vamos, servo, traze-me aquele porta-gelo! exclamou ele, quando viu um com capacidade de mais de oito “cótilas”. Depois de enchê-lo, primeiro ele bebeu, depois mandou Sócrates entornar, ao mesmo tempo que dizia: - Para Sócrates, senhores, meu ardil não é nada: quanto se lhe mandar, tanto ele beberá, sem que por isso jamais se embriague.
Sócrates então, tendo-lhe entornado o servo, pôs-se a beber; mas eis que Erixímaco exclama: - Que é então que fazemos, Alcibíades? Assim nem dizemos nada nem cantamos de taça à mão, mas simplesmente iremos beber, como os que têm sede?
Alcibíades então exclamou: Excelente filho de um excelente e sapientíssimo pai, salve!
- Também tu, salve! - respondeu-lhe Erixímaco; - mas que deve¬mos fazer?
- O que ordenares! É preciso com efeito te obedecer:

pois um homem que é médico
va1e
muitos outros;


ordena então o que queres.
- Ouve então - disse Erixímaco. - Entre nós, antes de chegares, decidimos que devia cada um à direita pro¬ferir em seu turno um discurso sobre o Amor, o mais belo que pudesse, e lhe fazer o elogio. Ora, todos nós já fala¬mos; tu porém como não o fizeste e bebeste tudo, é justo que fales, e que depois do teu discurso ordenes a Sócrates o que quiseres, e este ao da direi¬ta, e assim aos demais.
- Mas, Erixímaco! - tornou-lhe Alcibíades - é sem dúvida bonito o que dizes, mas um homem embriagado proferir um discurso em confronto com os de quem está com sua razão, é de se esperar que não seja de igual para igual. E ao mesmo tempo, ditoso amigo, convence-te Sócrates em algo do que há pouco disse? Ou sabes que é o contrário de tudo o que afirmou? É ele ao contrário que, se em sua presença eu louvar alguém, ou um deus ou um outro homem fora ele, não tirará suas mãos de mim.
- Não vais te calar? - disse Sócrates.
- Sim, por Posidão - respondeu-lhe Alcibíades; nada digas quanto a isso, que eu nenhum outro mais louvaria em tua presença.
- Pois faze isso então - disse-lhe Erixímaco - se te apraz; louva Sócrates.
- Que dizes? - tornou-lhe Alcibíades; - parece-te necessário, Erixímaco? Devo então atacar-me ao homem e castigá-1o diante de vós?
- Eh! tu! - disse-lhe Sócrates - que tens em mente? Não é para carregarno ridículo que vais elogiar-me? Ou que farás?
- A verdade eu direi. Vê se aceitas!
- Mas sem dúvida! - respondeu-lhe - a verdade sim, eu aceito, e mesmo peço que a digas.
- Imediatamente - tornou-lhe Alcibíades. - Todavia faze o seguinte. Se eu disser algo inverídico, inter¬rompe-me incontinenti, se quiseres, e dize que nisso eu estou falseando; pois de minha vontade eu nada falsearei. Se porém a lembrança de uma coisa me faz dizer outra, não te admires; não é fácil, a quem está neste estado, da tua singularidade dar uma conta bem feita e seguida.
“Louvar Sócrates, senhores, é assim que eu tentarei, através de imagens. Ele certamente pensará talvez que é para carregar no ridículo, mas será a imagem em vista da verdade, não do ridículo. Afirmo eu então que é ele muito semelhante a esses silenos coloca¬dos nas oficinas dos estatuários, que os artistas representam com um pifre ou uma flauta, os quais, abertos ao meio, vê-se que têm em seu interior estatue¬tas de deuses. Por outro lado, digo também que ele se assemelha ao sátiro Mársias. Que na verdade, em teu aspecto pelo menos és semelhante a esses dois seres, ó Sócrates, nem mesmo tu sem dúvida poderias contestar; que porém também no mais tu te assemelhas, é o que depois disso tens de ouvir. És insolente! Não? Pois se não admitires, apresentarei testemunhas. Mas não és flautista? Sim! E muito mais maravilhoso que o sátiro. Este, pelo menos, era através de instrumentos que, com o poder de sua boca, encantava os homens como ainda agora o que toca as suas melodias —pois as que Olimpo tocava são de Mársias, digo eu, por este ensinadas - as dele então, quer as toque um bom flautista quer uma flautista ordinárias, são as únicas que nos fazem possessos e revelam os que sentem falta dos deuses e das iniciações, porque são divinas. Tu porém dele diferes apenas nesse pequeno ponto, que sem instrumentos, com simples palavras, fazes o mesmo. Nós pelo menos, quando algum outro ouvimos mesmo que seja um perfeito orador, a falar de outros assuntos, absolutamente por assim dizer ninguém se interessa; quando porém é a ti que alguém ouve, ou palavras tuas referidas por outro, ainda que seja inteiramente vulgar o que está falando, mulher, homem ou adolescente, ficamos aturdidos e somos empolgados. Eu pelo menos, senhores, se não fosse de todo parecer que estou embriagado, eu vos contaria, sob jura¬mento, o que é que eu sofri sob o efeito dos discursos deste homem, e sofro ainda agora. Quando com efeito os escuto, muito mais do que aos coribantes em seus transportes bate-me o coração, e lágrimas me escorrem sob o efeito dos seus discursos, enquanto que outros muitíssimos eu vejo que experimentam o mesmo sentimento; ao ouvir Péricles porém, e outros bons oradores, eu achava que falavam bem sem dúvida, mas nada de semelhante eu sentia, nem minha alma ficava perturbada nem se irritava, como se se encontrasse em condição servil; mas com este Mársias aqui, muitas foram as vezes em que de tal modo me sentia que me parecia não ser possível viver em condições como as minhas. E isso, ó Sócrates, não irás dizer que não é verdade. Ainda agora tenho certeza de que, se eu quisesse prestar ouvidos, não resistiria, mas experimentaria os mesmos sentimentos. Pois me força ele a admitir que, embora sendo eu mesmo deficiente em muitos pontos ainda, de mim mesmo me descuido, mas trato dos negócios de Atenas. A custo então, como se me afastasse das sereias, eu cerro os ouvidos e me retiro em fuga, a fim de não ficar sentado lá e aos seus pés envelhecer. E senti diante deste homem, somente diante dele, o que ninguém imaginaria haver em mim, o envergonhar-me de quem quer que seja; ora, eu, é diante deste homem somente que me envergonho. Com efeito, tenho certeza de que não posso contestar-lhe que não se deve fazer o que ele manda, mas quando me retiro sou vencido pelo apreço em que me tem o público. Safo-me então de sua presença e fujo, e quando o vejo envergonho-me pelo que admiti. E muitas vezes sem dúvida com prazer o veria não existir entre os homens; mas se por outro lado tal coisa ocorresse, bem sei que muito maior seria a minha dor, de modo que não sei o que fazer com esse homem.
De seus flauteios então, tais foram as reações que eu e muitos outros tive¬mos deste sátiro; mas ouvi-me como ele é semelhante àque1es a quem o comparei, que poder maravilhoso ele tem. Pois ficai sabendo que ninguém o conhece; mas eu a revelarei, já que comecei. Estais vendo, com efeito, como Sócrates amorosamente se com¬porta com os belos jovens, está sempre ao redor deles, fica aturdido e como também ignora tudo e nada sabe. Que esta sua atitude não é conforme à dos silenos? E muito mesmo. Pois é aquela com que por fora ele se reveste, como o sileno esculpido; mas lá dentro, uma vez aberto, de quanta sabedoria imaginais, companheiros de bebida, estar ele cheio? Sabei que nem a quem é belo tem ele a mínima consideração, antes despreza tanto quanto ninguém poderia imaginar, nem tampouco a quem é rico, nem a quem tenha qual¬quer outro titulo de honra, dos que são enaltecidas pelo grande número; todos esses bens ele julga que nada valem, e que nós nada somos - a que vos digo - e é ironizando e brincando com os homens que ele passa toda a vida. Uma vez porém que fica sério e se abre, não sei se alguém já viu as estátuas lá dentro; eu por mim já uma vez as vi, e tão divinas me pareceram elas, com tanto aura, com uma beleza tão completa e tão extraordinária que eu só tinha que fazer imediatamente a que me mandasse Sócrates. Julgando porém que ele estava interessado em minha beleza, considerei um achado e um maravilhoso lance da fortuna, como se me estivesse ao alcance, de¬pois de aquiescer a Sócrates, ouvir tudo a que ele sabia; o que, com efeito, eu presumia da beleza de minha juventude era extraordinário! Com tais idéias em meu espírito, eu que até então não costumava sem um acompanhante ficar só com ele, dessa vez, despachando o acompanhante, encontrei-me a sós - é preciso, com efeito, dizer-vos toda a verdade; - prestai atenção, e se eu estou mentindo, Sócrates, prova - pois encontrei-me, senhores, a sós com ele, e pensava que logo ele iria tratar comigo a que um amante em segredo trataria com o bem-amado, e me rejubilava. Mas não, nada disso absolutamente aconteceu; ao contrário, como costumava, se por acaso comigo conversasse e passasse o dia, ele retirou-se e foi-se embora. Depois disso convidei-o a fazer ginástica comigo e entreguei-me aos exercícios, como se houvesse então de conseguir algo. Exercitou-se ele comigo e comigo lutou muitas vezes sem que ninguém nos presenciasse; e que devo dizer? Nada me adiantava. Como por nenhum desses caminhos eu tivesse resultado, decidi que devia atacar-me ao homem à força e não largá-lo, uma vez que eu estava com a mão na obra, mas logo saber de que é que se tratava. Convido-o então a jantar comigo, exatamente como um amante armando cilada ao bem-amado. E nem nisso também ele me atendeu logo, mas na verdade com o tempo deixou-se convencer. Quando porém veio à primeira vez, depois do jantar queria partir. Eu então, envergonhado, larguei-o; mas repeti a cilada, e depois que ele estava jantado eu me pus a conversar com ele noite adentro, ininterruptamente, e quando quis partir, observando-lhe que era tarde, obriguei-o a ficar. Ele descansava então no leito vizinho ao meu, no mesmo em que jantara, e ninguém mais no compartimento ia dormir senão nós. Bem, até esse ponto do meu discurso ficaria bem fazê-lo a quem quer que seja; mas o que a partir daqui se segue, vós não me teríeis ouvido dizer se, primeiramente, como diz o ditado, no vinho, sem as crianças ou com elas, não estivesse a verdade; e depois, obscurecer um ato excepcional¬mente brilhante de Sócrates, quando se saiu a elogiá-lo, parece-me injusto. E ainda mais, o estado do que foi mordido pela víbora é também o meu. Com efeito, dizem que quem sofreu tal acidente não quer dizer como foi senão aos que foram mordidos, por serem os únicos, dizem eles, que a compreendem e desculpam de tudo que ousou fazer e dizer sob o efeito da dor. Eu então, mordido por algo mais dolo¬roso, e no ponto mais doloroso em que se passa ser mordido — pois foi no coração ou na alma, ou no que quer que se deva chamá-lo que fui golpeado e mordido pelos discursos filosóficos, que têm mais virulência que a víbora, quando pegam de um jovem espírito, não sem dotes, e que tudo fazem cometer e dizer tudo - e vendo por outro lado os Fedros, Agatãos, Erixímacos, os Pausânias, os Aristodemos e os Aristófanes; e o próprio Sócrates, é preciso mencioná-lo? E quantos mais... Todos vós, com efeito, participastes em comum do delírio filosófico e dos seus transportes báquicos e por isso todos ireis ouvir-me; pois haveis de desculpar-me do que então fiz e do que agora digo. Os domésticos, e se mais alguém há profano e inculto, que apliquem aos seus ouvidos portas bem espessas.
Como com efeito, senhores, a lâmpada se apagara e os servos estavam fora, decidi que não devia fazer nenhum floreado com ele, mas franca¬mente dizer-lhe o que eu pensava; e assim o interpelei, depois de sacudi-lo: - Sócrates, estás dormindo?
- Absolutamente - respondeu-¬me.
- Sabes então qual é a minha decisão?
- Qual é exatamente? - tornou-¬me.
- Tu me pareces - disse-lhe eu - ser um amante digno de mim, o único, e te mostras hesitante em declarar-me. Eu porém é assim que me sinto: inteiramente estúpido eu acho não te aquiescer não só nisso como também em algum caso em que precisasses ou de minha fortuna ou dos meus amigos. A mim, com efeito, nada me é mais digno de respeito do que o tornar-me eu o melhor possível, e para isso creio que nenhum auxiliar me é mais importante do que tu. Assim é que eu, a um tal homem recusando meus favores, muito mais me envergonharia diante da gente ajuizada do que se os concedesse, diante da multidão irrefletida.
E este homem, depois de ouvir-me, com a perfeita ironia que é bem sua e do seu hábito, retrucou-me: - Caro Alcibíades, é bem provável que real¬mente não sejas um vulgar, se chega a ser verdade a que dizes a meu respeito, e se há em mim algum poder pelo qual tu te poderias tornar melhor; sim, uma irresistível beleza verias em mim, e totalmente diferente da formosura que há em ti. Se então, ao contemplá-la, tentas compartilhá-la comigo e trocar beleza por beleza, não é em pouco que pensas me levar vantagens, mas ao contrário, em lugar da aparência é a realidade do que é belo que tentas adquirir, e realmente é “ouro por cobre” que pensas trocar. No entanto, ditoso amigo, examina melhor; não te passe despercebido que nada sou. Em verdade, a visão do pensa¬mento começa a enxergar com agudeza quando a dos olhos tende a perder sua força; tu porém estás ainda longe disso.
E eu, depois de ouvi-lo: - Quanto ao que é de minha parte, eis aí; nada do que está dito é diferente do que penso; tu porém decide de acordo com o que julgares ser o melhor para ti e para mim.
- Bem, tomou ele, nisso sim, tens razão; daqui por diante, com efeito, decidiremos fazer, a respeito disso como do mais, o que a nós dois nos parecer melhor.
Eu, então, depois do que vi e disse, e que como flechas deixei escapar, imaginei-o ferido; e assim que eu me ergui sem ter-lhe permitido dizer-me nada mais, vesti esta minha túnica - pois era inverno - estendi-me por sob a manta deste homem, e abraçado com estas duas mãos a este ser verdadeira¬mente divino e admirável fiquei deita¬do a noite toda. Nem também isso, ó Sócrates, irás dizer que estou falseando. Ora, não obstante tais esforços meus, tanto mais este homem cresceu e desprezou minha juventude, ludibriou-¬a, insultou-a e justamente naquilo é que eu pensava ser alguma coisa, senhores juízes; sois com efeito juízes da sobranceria de Sócrates - pois ficai sabendo, pelos deuses e pelas deusas, quando me levantei com Sócrates, foi após um sono em nada mais extraordinário do que se eu tivesse dormido com meu pai ou um irmão mais velho.
Ora bem, depois disso, que disposição de espírito pensais que eu tinha, a julgar-me vilipendiado, a admirar o caráter deste homem, sua temperança e coragem, eu que tinha encontrado um homem tal como jamais julgava poderia encontrar em sabedoria e fortaleza? Assim, nem eu podia irritar-me e privar-me de sua companhia, nem sabia como atrai-lo.
Bem sabia eu, com efeito, que ao dinheiro era ele de qualquer modo muito mais invulnerável do que Ájax ao ferro, e na única coisa em que eu imaginava ele se deixaria prender, ei-lo que me havia escapado. Embaraçava-me então, e escravizado pelo homem como ninguém mais por nenhum outro, eu rodava à toa. Tudo isso tinha-se sucedido anteriormente; depois, ocorreu-nos fazer em comum uma expedição em Potidéia, e éramos ali companheiros de mesa. Antes de tudo, nas fadigas, não só a mim me superava mas a todos os outros - quando isolados em algum ponto, como é comum numa expedição, éramos forçados a jejuar, nada eram os outros para resistir - e por outro lado nas fartas refeições, era o único a ser capaz de aproveitá-las em tudo mais, sobretudo quando, embora se recusasse, era forçado a beber, que a todos vencia; e o que é mais espantoso de tudo é que Sócrates embriagado nenhum homem há que o tenha visto. E disso, parece-me, logo teremos a prova. Também quanto à resistência ao inverno - terríveis são os invernos ali - entre outras façanhas extraordinárias que fazia, uma vez, durante uma geada das mais terríveis, quando todos ou evitavam sair ou, se alguém saía, era envolto em quanta roupagem estranha, e amarrados os pés em feltros e peles de carneiro, este homem, em tais circunstâncias, saía com um manta do mesmo tipo que antes costumava trazer, e descalço sobre o gelo marchava mais à vontade que os outros calçados, enquanto que os soldados o olhavam de soslaio, como se o suspeitassem de estar troçando deles. Quanto a estes fatos, ei-los aí:

mas também o seguinte, como o fez
e suportou um bravo


lá na expedição, certa vez, merece ser ouvido. Concentrado numa reflexão, logo se detivera desde a madrugada a examinar uma idéia, e como esta não lhe vinha, sem se aborrecer ele se conservara de pé, a procurá-la. Já era meio-dia, os homens estavam observando, e cheios de admiração diziam uns aos outros: Sócrates desde a madrugada está de pé ocupado em suas reflexões! Por fim, alguns dos jônicos, quando já era de tarde, de¬pois de terem jantado - pois era então o estio - trouxeram para fora os seus leitos e ao mesmo tempo que iam dormir na fresca, observavam-no a ver se também a noite ele passaria de pé. E ele ficou de pé, até que veia a aurora e o sol se ergueu; a seguir foi embora, depois de fazer uma prece ao sol. Se quereis saber nos combates - pois isto é bem justo que se lhe leve em conta - quando se deu a batalha pela qual chegaram mesmo a me condecorar os generais, nenhum outro homem me salvou senão este, que não quis abandonar-me ferido, e até minhas armas salvou comigo. Eu então, ó Sócrates, insisti com os generaispara que te conferissem essa honra, e isso não vais me censurar nem irás dizer que estou falseando; todavia, quando já os generais consideravam minha posição e desejavam conceder-me a insigne honra, tu mesmo foste mais solícito que os generais para que fosse eu e não tu que a recebesse. E também, ó senhores, valia a pena observar Sócrates, quando de Delião batia em retirada o exército; por acaso fiquei ao seu lado, a cavalo, enquanto ele ia com suas armas de hoplita. Ora, ele se retirava, quando já tinham debandado os nossos homens, ao lado de Laques: acerco-me deles e logo que os veja exorto-os à coragem, dizendo-lhes que os não abandonaria. Foi aí que, melhor que em Potidéia, eu observei Sócrates - pois o meu perigo era menor, por estar eu a cavalo - primeiramente quanto ele superava a Laques, em domínio de si; e depois, parecia-me, ó Aristófanes, segundo aquela tua ex¬pressão, que também lá como aqui ele se locomovia “impondo-se e olhando de través”, calmamente examinando de um lado e de outro os amigos e os inimigos, deixando bem claro a todos, mesma a distância, que se alguém tocasse nesse homem, bem vigorosamente ele se defenderia. Eis por que com segurança se retirava, ele e o seu companheiro; pois quase que, nos que assim se comportam na guerra, nem se toca, mas é aos que fogem em desordem que se persegue.
Muitas outras virtudes certamente poderia alguém louvar em Sócrates, e admiráveis; todavia, das demais atividades, talvez também a respeito de alguns outros se pudesse dizer outro tanto; o fato porém de a nenhum homem assemelhar-se ele, antigo ou moderno, eis o que é digno de toda admiração. Com efeito, qual foi Aquiles, tal poder-se-ia imaginar Brasidas e outros, e inversamente, qual foi Péricles, tal Nestor e Antenor - sem falar de outros - e todos os demais por esses exemplos se poderia comparar; o que porém é este homem aqui, o que há de desconcertante em sua pessoa e em suas palavras, nem de perto se poderia encontrar um semelhante, quer se procure entre os modernos, quer entre os antigos, a não ser que se lhe faça a comparação com os que eu estou dizendo, não com nenhum homem, mas com os silenos e os sátiros, e não só de sua pessoa como de suas palavras.
Na verdade, foi este sem dúvida um ponto em que em minhas palavras eu deixei passar, que também os seus discursos são muito semelhantes aos silenos que se entreabrem. A quem quisesse ouvir os discursos de Sócrates pareceriam eles inteiramente ridículos à primeira vez: tais são os nomes e frases de que por fora se revestem eles, como de uma pele de sátiro insolente! Pois ele fala de bestas de carga, de ferreiros, de sapateiros, de correeiros, e sempre parece com as mesmas palavras dizer as mesmas coisas, a ponto de qualquer inexperiente ou imbecil zombar de seus discursos. Quem porém os viu entreabrir-se e em seu interior penetra, primeiramente descobrirá que, no fundo, são os únicos que têm inteligência, e depois, que são o quanto possível divinos, e os que o maior número contêm de imagens de virtude, e o mais possível se orientam, ou melhor, em tudo se orientam para o que convém ter em mira, quando se procura ser um distinto e honra¬do cidadão.
Eis aí, senhores, o que em Sócrates eu louvo; quanto ao que, pelo contrário, lhe recrimino, eu o pus de permeio e disse os insultos que me fez. E na verdade não foi só comigo que ele os fez, mas com Cármides, o filho de Glauco, com Eutidemo, de Díocles, e com muitíssimos outros, os quais ele engana fazendo-se de amoroso, enquanto é antes na posição de bem-¬amado que ele mesmo fica, em vez de amante. E é nisso que te previno, ó Agatão, para não te deixares enganar por este homem e, por nossas experiências ensinado, te preservares e não fazeres como o bobo do provérbio, que “só depois de sofrer aprende”.
Depois destas palavras de Alcibíades houve risos por sua franqueza, que parecia ele ainda estar amoroso de Sócrates. Sócrates então disse-lhe: - Tu me pareces, ó Alcibíades, estar em teu domínio. Pois de outro modo não te porias, assim tão destramente fazendo rodeios, a dissimular o motivo por que falaste; como que falando acessoriamente tu o deixaste para o fim, coma se tudo o que disseste não tivesse sido em vista disso, de me indispor com Agatão, na idéia de que eu devo amar-te e a nenhum outro, e que Agatão é por ti que deve ser amado, e por nenhum outro. Mas não me escapaste! Ao contrário, esse teu drama de sátiros e de silenos ficou transparente. Pois bem, caro Agatão, que nada mais haja para ele, e faze com que comigo ninguém te indisponha.
Agatão respondeu: - De fato, ó Sócrates, é muito provável que estejas dizendo a verdade. E a prova é a maneira como justamente ele se recostou aqui no meio, entre mim e ti, para nos afastar um do outro. Nada mais ele terá então; eu virei para o teu lado e me recostarei.
- Muito bem - disse Sócrates - reclina-te aqui, logo abaixo de mim.
- Ó Zeus, que tratamento recebo ainda desse homem! Acha ele que em tudo deve levar-me a melhor. Mas pelo menos, extraordinária criatura, permite que entre nós se acomode Agatão.
- Impossível! - tornou-lhe Sócrates. - Pois se tu me elogiaste, devo eu por minha vez elogiar o que está à minha direita. Ora, se abaixo de ti ficar Agatão, não irá ele por acaso fazer-me um novo elogio, antes de, pelo contrário, ser por mim elogiado? Deixa, divino amigo, e não invejes ao jovem o meu elogio, pois é grande o meu desejo de elogiá-lo.
- Evoé! - exclamou Agatão; - Alcibíades, não há meio de aqui eu ficar; ao contrário, antes de tudo, eu mudarei de lugar, a fim de ser por Sócrates elogiado.
- Eis aí - comentou Alcibíades - a cena de costume: Sócrates presente, impossível a um outro conquistar os belos! Ainda agora, como ele soube facilmente encontrar uma palavra persuasiva, com o que este belo se vai pôr ao seu lado.

Platão: O Banquete

10.6.09

ΩΡΑΙΑ ΛΟΥΛΟΥΔΙΑ ΚΙ ΑΣΠΡΑ ΩΣ ΤΑΙΡΙΑΖΑΝ ΠΟΛΥ

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Aquile Drugas (Grécia)
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Belas Flores Brancas Como Ficavam Muito Bem

Entrou no café aonde iam juntos. -
Aqui o seu amigo disse-lhe há três meses,
-Não temos um tostão. Somos dois rapazes completamente
pobres - rebaixados aos locais baratos.
Digo-te abertamente, contigo não posso
andar. Um outro, fica a sabê-Io, pede-me».
O outro fizera-lhe a promessa de dois fatos e alguns
lenços de seda. - Para recuperá-lo
moveu céus e terra, e conseguiu vinte libras.
Voltou outra vez p'ra ele pelas vinte libras;
mas também, além delas, pela amizade antiga,
pelo amor antigo, pela sua profunda intimidade. -
O -outro,) era aldrabão, autêntico garoto;
um fato apenas lhe tinha feito, e
esse de má vontade, depois de mil súplicas.
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Mas agora já não quer nem os fatos,
e nem por sombra ós lenços de seda,
e nem vinte libras, e nem vinte piastras.
No domingo enterraram-no, às dez da manhã.
No domingo enterraram-no: há quase uma semana.
.
No seu pobre caixão pôs-lhe flores,
belas flores brancas como ficavam muito bem
à sua beleza e aos seus vinte e dois anos.
Quando ao fim do dia foi - apareceu um trabalho,
para ganhar o pão - ao café aonde
iam juntos: uma faca no seu coração
o lúgubre café aonde iam juntos.

Konstandinos Kavafis: Poemas e prosas (Relógio d´Água, 1994)
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis

25.5.09

ΜΥΡΗΣ. ΑΛΕΞΑΝΔΡΕΙΑ ΤΟΥ 340 π.Χ.

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MÍRIS: ALEXANDRIA, 340 d.C.

Quando eu soube da tragédia, que Míris estava morto,
fui até sua casa, embora evite
entrar nas casas dos cristãos,
principalmente em épocas de luto ou de festividades.

Fiquei no corredor. Não quis
avançar mais para dentro, porque percebi
que os parentes do morto me olhavam
com evidente surpresa e desagrado.

Tinham-no colocado num cômodo amplo
do qual, do ponto onde permaneci,
eu podia ver um pouco: todo tapetes preciosos
e vasilhas de prata e de ouro.

Fiquei de pé e chorei num canto do corredor.
E pensei em como nossas reuniões e nossas excursões
nada mais valeriam sem Míris;
e pensei em que eu não mais o veria
em nossas belas e indecentes sessões que duravam a noite toda,
divertindo-se, e rindo, e recitando versos
com o seu sentido perfeito do ritmo grego;
e pensei em como eu tinha perdido para sempre
sua beleza, em como eu perdera para sempre
o jovem que venerara tão desvairadamente.

Algumas mulheres velhas, próximas de mim, falavam com suavidade
do último dia que ele vivera –
em seus lábios continuamente o nome de Cristo,
em suas mãos uma cruz.
E então quatro sacerdotes cristãos
entraram no cômodo e fizeram preces
com fervor e orações a Jesus
ou a Maria (não conheço bem a religião deles).

Sabíamos, por certo, que Míris era cristão.
Desde o primeiro instante o soubemos, quando
no ano anterior ao último ele se juntou à nossa companhia.
Mas vivia exatamente como nós:
mais entregue ao prazer do que todos nós,
dissipava seu dinheiro prodigamente em divertimentos.
Indiferente ao apreço do mundo,
atirava-se sofregamente para as brigas noturnas,
quando acontecia de nosso bando encontrar
um bando rival.
Nunca falava de sua religião.
E uma vez nós até lhe dissemos
que íamos levá-lo conosco ao Serapião.
Mas foi como se isso lhe desagradasse,
essa nossa piada: lembro-me agora.
Ah, e agora me ocorrem duas outras ocasiões.
Quando fizemos libações a Posseidon,
ele se abstraiu de nosso círculo e olhou noutra direção.
Quando um de nós disse com entusiasmo:
“Que nossa companhia esteja
sob o favor e sob a proteção do grande,
do inteiramente belo Apolo” – Míris sussurrou
(os outros não ouviram): “Com exceção de mim”.

Os sacerdotes cristãos, em altas vozes,
rezavam pela alma do jovem.
Notei com quanta diligência
e com que cuidado intensivo
pelas formas de sua religião eles preparavam
cada coisa para o funeral cristão.
E de repente uma sensação esquisita
me veio. Senti, obscuramente,
como se Míris estivesse escapando de mim:
senti que ele, um cristão, tinha se unido
à sua própria gente, e que eu estava me tornando
um estranho, um completo estranho; e senti mesmo
uma dúvida se aproximando: que eu fora enganado
por minha paixão e tinha sido sempre um estranho para ele.
Atirei-me para fora de sua assustadora casa;
fugi depressa antes que fosse agarrada, antes que fosse alterada
pelo seu cristianismo a memória de Míris.

Tradução: Renato Suttana

10.5.09

ΛΑΝΗ ΤΑΦΟΣ

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Túmulo de Lânis
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Lânis, Marco, senhor de tua querência,
não ocupa o sepulcro onde, horas a fio,
pranteias. Perto de ti o preservas,
no claustro de tua morada, quando miras sua imagem:
ela retém algo de seu valor intrínseco,
ela retém algo do teu deleite.
Recordas, Marco, que requisitaste a presença
de Cirene, o pintor, radicado no solar do procônsul,
dono de um variegado rol de sutilezas,
e que, à visão de teu amigo, ele intentou convencer-te
a retratá-lo, com máxima fidelidade, tal qual Jacinto,
recurso que imortalizaria sua pintura?
Mas teu Lânis não cedia sua beldade assim,
e, inflexível em sua negativa, foi taxativo
ao vetar a reprodução jacíntia ou qualquer outra
que não fosse de Lânis, filho de Ramético, alexandrino.

Konstantinos Kavafis: 60 poemas (Ateliê Editorial)
Trad.: Trajano Vieira
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25.4.09

ΕΠΑΜΕΙΝΩΝΔΑΣ

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Epaminondas (em grego: Ἐπαμεινώνδας, c. 418 a.C. - 362 a.C.) foi um general e político grego do século IV a.C.. Epaminondas foi responsável pela condução de mudanças na cidade-estado de Tebas transformando-a na nova potência hegemônica da Grécia, substituindo Esparta.
Epaminondas redesenhou o mapa político da Grécia, fragmentou antigas alianças, criou novas e supervisionou a construção de cidades inteiras. Também teve grande influência militar, desenvolvendo e implementando diversas e muito importantes táticas de batalha. Antes de seu mandato, Tebas se encontrava sob domínio espartano: Epaminondas conseguiu melhorar a capacidade militar de Tebas a fim de situá-la em uma posição proeminente no quadro geopolítico do mundo helênico, criando o que se conheceria mais tarde como a hegemonia tebana. No processo, acabou com a supremacia militar espartana na Batalha de Leuctra e libertou os hilotas de Messénia, um grupo de gregos do Peloponeso que tinham sido reduzidos à servidão sob as ordens de Esparta durante cerca de 200 anos.
O orador romano Cícero o chamou de "o primeiro homem da Grécia", mesmo tendo Epaminondas caído em uma relativa obscuridade nos tempos modernos. As mudanças que Epaminondas levou à ordem política grega não sobreviveram por muito tempo, dado que o ciclo de hegemonias e alianças ainda não havia se estabilizado. Tão somente 27 anos depois de sua morte, Tebas foi destruída por Alexandre Magno. Por tudo isso, Epaminondas não é lembrado tanto como um idealista e libertador (como foi visto em seu tempo) senão por uma década de campanhas (desde 371 a 362 a.C.) que deram forma e força aos grandes poderes da Grécia e que pavimentou o caminho para a posterior conquista da Macedônia.
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O pai de Epaminondas, Polímnis, era um descendente empobrecido de uma nobre família tebana. Contudo, isso não impediu que Epaminondas recebesse uma educação excelente: seus professores de música eram alguns dos melhores nesta disciplina, igualmente a seus instrutores de dança. Mais notável ainda foi seu professor de filosofia, Lísis de Tarento, que foi um dos últimos grandes filósofos pitagóricos. Lísis tinha ido morar com Polímnis na época de seu exílio, o qual permitiu a Epaminondas trabalhar muito com ele, por isso terminou se destacando em seus excelentes estudos filosóficos.
Porém, Epaminondas não era somente um acadêmico. Também ressaltou por suas qualidades físicas e durante sua juventude dedicou muito tempo à preparação física para combate. Em 385 a.C., em uma contenda próxima à cidade de Mantineia, Epaminondas salvou a vida de seu futuro colega Pelópidas pondo em grave risco a sua própria vida. Este ato pôde alicerçar o que logo foi uma amizade entre os dois que durou por toda a vida. Ao longo de toda sua carreira, Epaminondas continuaria sendo destacado por sua capacidade tática e seu manejo de combate corpo a corpo.
Epaminondas não se casou, o fato lhe expôs a muitas críticas por parte de seus contemporâneos, que pensavam que uma pessoa como ele estava obrigado a fornecer a seu país o benefício de filhos que fossem tão grandes como havia sido seu pai. Em resposta Epaminondas disse que sua vitória em Leuctra era uma filha destinada a viver para sempre. Sabe-se, contudo, que teve diversas relações amorosas com diversos jovens gregos, um costume habitual na Grécia Antiga, e muito particularmente em Tebas. Plutarco coloca que os legisladores tebanos instituíram a prática para «temperar as formas e o caráter dos jovens».Uma anedota contada por Cornélio Nepos indica que Epaminondas havia se intimado com um jovem chamado Micitos. Plutarco também menciona dois de seus amantes: Asópico, que lutou com ele na Batalha de Leuctra, na qual atuou de forma distinta, e Capisdoros, que morreu com Epaminondas em Mantineia e foi enterrado a seu lado.
Epaminondas viveu em situação próxima à pobreza por toda a existência, devido a seu repúdio ao enriquecimento pessoal através do poder político. Cornélio Nepos deixa claro sua incorruptibilidade, descrevendo como rejeitou um embaixador persa que chegou a ele com um suborno. Seguindo o costume dos pitagóricos, era generoso com seus amigos e lhe recomendava que fizessem o mesmo com os demais. Todos estes aspectos de seu caráter contribuíram de forma muito importante ao renome que adquiriu após sua morte. (pt.wikipedia.org)
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Isaak Walraven: O leito de morte de Epaminondas.

10.4.09

Ο ΙΕΡΟΣ ΛΟΧΟΣ ΤΩΝ ΘΗΒΩΝ

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Batalhão Sagrado de Tebas
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‘Se houvesse maneira de conseguir que um estado ou um exército fosse constituído apenas por amantes e seus amados, estes seriam os melhores governantes da sua cidade, abstendo-se de toda e qualquer desonra. Pois que amante não preferiria ser visto por toda a humanidade a ser visto pelo amado no momento em que abandonasse o seu posto ou pousasse as suas armas. Ou quem abandonaria ou trairia o seu amado no momento de perigo?’ Platão (428 a.c - 348 a.c)

Estas palavras foram escritas por Platão sobre o código teórico que sustentava o êxito do ‘Batalhão Sagrado de Tebas’ que era um exército de 150 pares de amantes homossexuais, ou seja, 300 homens.
O ‘Batalhão Sagrado’ teria sido constituído em princípios do séc. IV e pertencia a cidade Grega de Tebas e era muito temido pela sua bravura e enorme coragem. Eram guerreiros ferozes que se mantinham unidos por laços amorosos. A questão da homossexualidade é crucial neste contexto, pois um soldado que tem ligações com seu companheiro de fileira nunca deixará ele morrer, havendo proteção e colaboração mútua. Seus juramentos eram de nunca dar vantagem ao inimigo e nunca fugir de um embate. Lutavam em fileiras cerradas e eram bastante disciplinados.
Era no campo militar, aliás, em que as relações homossexuais eram mais admiradas. Em primeiro lugar, a possibilidade de satisfazer os instintos sexuais no campo de batalha era um costume bem-vindo. Em segundo, acreditava-se que quando casais de homens apaixonados integravam um mesmo exército eles lutariam com mais garra para defender seu parceiro.
Tornaram-se célebres quando conseguiram derrotar os Espartanos, sendo vencidos apenas três décadas mais tarde por Filipe da Macedônia e seu filho, Alexandre Magno, na batalha de Queroneia (338 a,C.). Os gênios militares dos príncipes macedônios levaram a melhor em Queroneia, no que foi uma das batalhas mais duras desse período. Primeiro foram os atenienses, depois os tebanos, os exércitos aliados fugiram do exército macedônio, tendo ficado unicamente o batalhão sagrado a resistir até ao fim. Apenas um reduzido número foi capturado, já feridos.
Depois da guerra, Filipe da Macedônia, vitorioso, percorreu o campo de batalha para espiar os corpos. Todos estavam deitados com suas armaduras e abraçados uns aos outros. Filipe ficou maravilhado e, depois de saber que se tratava do batalhão de amantes, derramou-se em lágrimas.

25.3.09

ΗΡΑΚΛΗΣ ΚΑΙ ΙΟΛΑΟΣ

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Hércules e seu sobrinho, ajudante e erómeno Jolau.
Mosaico do século I a.C. de Anzio Nymphaeum, Roma
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Na mitologia grega, Jolau (em grego, Ιόλαος) era um herói divino tebano, filho de Íficles – e assim um sobrinho de Hércules – e de Automedusa. Ele frequentemente agia como condutor de bigas e companheiro de Hércules, e foi tido também como erómeno (amante,na passagem de jovem adulto para homem). Plutarco reporta que antes dele casais de homens homossexuais iriam à tumba de Jolau para jurar lealdade ao herói e a cada outro. Este mito de iniciação é de origem antiga. A tumba de Jolau também é mencionada por Píndaro. O ginásio tebano foi também nomeado após ele, e a Joléia, um festival atlético consistindo de eventos ginásticos e equestres, era cumprido anualmente em Tebas em sua honra.
Quando Hércules estava parando a multi-cabeçal hidra em seu segundo trabalho, Jolau cauterizou cada pescoço, e levou a hidra a ser morta. Hércules casou sua ex-esposa Mégara com Jolau. Tiveram uma filha, Leipefilene. Com a morte de Hércules, Jolau acendeu a tocha do funeral (pt.wikipedia.org)
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Hércules e Jolau, com Eros entre eles. Vaso de ritual etrusco do século IV a.C.

10.3.09

ΣΑΠΦΩ 2

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Publicado poema de Safo, após 2.600 anos
Um poema de amor escrito 2.600 anos atrás pela poetisa Safo foi publicado no dia 24 de junho de 2005 pela primeira vez desde que foi redescoberto, no ano passado. Os versos expressam o amor de Safo por suas companheiras na ilha grega de Lesbos.
"Ela obviamente tinha um relacionamento emocional com mulheres, e possivelmente sexual também" (?), disse o tradutor Martin West, acadêmico da Universidade de Oxford. O poema foi descoberto após pesquisadores da Universidade de Cologne, na Alemanha, identificarem um papiro que envolvia uma múmia do século 3 antes de Cristo. Nele estavam os versos da poetisa.
Os pesquisadores perceberam que alguns dos fragmentos do poema encaixavam-se a outros já identificados como de autoria de Safo, descobertos em 1922. Combinando as duas partes e completando os espaços perdidos com palavras de significado compatível, o original foi reconstruído.
Nos versos publicados agora, a poetisa lamenta o passar do tempo ao comparar os corpos jovens de dançarinas aos seus frágeis joelhos e aos seus cabelos brancos.
Veja a tradução de um trecho do poema. Por se tratar de um texto poético, com múltiplas interpretações, a tradução é livre.
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Vós, meninas, entusiasmem-se com os carinhosos presentes
Das musas de seios perfumados e com a lira clara e melodiosa:
Mas o meu outrora macio corpo, agora velho

Enrijeceu; meus cabelos tornaram-se brancos, em vez de negros
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25.2.09

ΣΑΠΦΩ 1

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Simeón Sálomon
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Sinceramente, a minha vontade é morrer.
Por entre abundantes lágrimas,
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afastou-se de mim e disse-me:
"Que horrível sofrimento,
Safo! É verdadeiramente contrariada que te deixo."
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Eu respondi-lhe:
"Vai, não chores, e lembra-te de mim,
bem sabes como te amei.
.
Se não, quero ao menos
que lembres tudo o que
de belo e doce nós vivemos.
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Tantas coroas compostas juntamente
de violetas, de rosas e açafrão
com que, a meu lado, te enfeitavas
.
e tantas grinaldas tecidas
de belas flores, entrelaçadas
à volta do teu colo tenro
.
e tantas ricas essências e o
régio perfume com que
tu impregnavas a minha cabeleira
.
e, deitada, num leito
macio, junto a mim,
o desejo aplacavas...
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e nem casamento nem
disputa nem sequer correntes de água
podiam destruir os laços pelos quais estamos unidas.
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Safo / Grecia

10.2.09

ΕΡΑΣΤΕΣ ΚΑΙ ΕΡΩΜΕΝΟΙ

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Erastes e eromenos
Na Grécia Antiga, o erastes (em grego, εραστής = amante) era um homem adulto envolvido em um relacionamento com um adolescente do sexo masculino denominado eromenos.
O relacionamento entre o eromenos e o erastes era muito mais amplo que meramente sexual, como atesta a variação de nomes nas diversas polei. Em Esparta (onde leis regulavam esse relacionamento), era eispnelas, (inspirador). Em Creta, philetor (amigo).
Os eromenoi eram intensamente disputados na antiga Grécia, sendo objeto de brigas de rua e poemas. Alguns dos eromenoi mudavam-se para a casa de seus erastes por algum tempo. O erastes ideal era controlado em seu amor, e sua afeição era expressa em atos de generosidade e simpatia, em contraste com homems que simplesmente procuravam meninos por prazer sexual.
Os antigos gregos valorizavam o período da vida em que os adolescentes eram considerados prontos para esse relacionamento. O eromenos era prezado por sua beleza, porém mais prezado ainda por sua modéstia, esforço e coragem. Platão diz em sua obra Simpósio que os eromenoi eram os "melhores" meninos, que "amam homens e gostam de ser abraçados por homens".
Embora objeto de afeição e paixão, os eromenoi não necessariamente mantinham relações sexuais. Quando presentes, as relações são mostradas na iconografia como manipulação ou sexo intercrural (entre as pernas). O sexo anal parece mais raro, embora suficientemente comum para ser criticado como prática vergonhosa, por feminilizar os jovens que o praticavam.
Ao atingir a maturidade, aos dezoito anos, o 'eromenos' cortava seus cabelos compridos, e deixava a casa de seu 'erastes'. Muitos passavam a ter seu próprio eromenos.
'Eromenos' é tradicionalmente traduzido por 'amado', embora não seja uma boa tradução para o complexo conceito grego original.
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(pt.wikipedia.org)
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O relacionamento sexual entre dois homens era visto de forma diferente em Esparta e Atenas. Em Esparta, uma sociedade guerreira, os casais de amantes homens eram incentivados como parte do treinamento e da disciplina militar. Essas práticas dariam coesão às tropas. Em Tebas, colônia espartana, existia o Pelotão Sagrado de Tebas, tropa de elite composta unicamente de casais homossexuais. Eram extremamente ferozes, pois lutavam com muita bravura para quenada acontecesse a seus parceiros. Em campo de batalha eram quase imbatíveis.
A relação homossexual básica e aceita pela sociedade ateniensese dava no relacionamento amoroso de um homem mais velho, o erastes (amante), por um jovem a quem chamavam eromenos (amado), que deveria ter mais de 12 anos e menos de 18. Esse relacionamento tinha como finalidade a transmissão de conhecimento do erastes ao eromenos, o que era o paradigma da educação masculina, a paidéia (educação).
O eromenos tinha que ser cortejado pelo erastes, receber presentes, até aceitar a relação. Esses presentes tinham caráter simbólico e pedagógico. O galo era símbolo de força e virilidade, ensinando aos jovens o espírito de combate e agressividade. A lebre era entregue ao jovem para que ele a soltasse e saísse em sua perseguição descobrindo o prazer na caçada. Tanto a lebre como o galo eram também símbolos de virilidade, uma espécie de alusão à intensidade de suas atividades sexuais. Presentes de valor pedagógico eram as tabuletas para escrever, os instrumentos musicais, discos de arremesso, os stlengídeos (espécie de raspadores utilizados nos banhos) e os frascos de óleo para ungir o corpo. Alguns presentes constituíam uma prova de admiração, como um vaso com o nome do eromenos inscrito nele, seguido da palavra kalós (belo). Esses vasos eram feitos sob encomenda, mas também havia uma produção industrial especializada, quer contendo a inscrição paîs kalós (belo garoto) – que seria adequada em qualquer ocasião – quer com os nomes dos mais belos jovens de Atenas, pelos quais seguramente havia grande procura por parte dos seus candidatos a erastes. Os primeiros encontros aconteciam sempre nos ginásios e casas de banho, onde o erastes procurava exercitar-se com o eromenos até a exaustão, demonstrando assim sua força física e não somente sua capacidade intelectual.
Não podemos esquecer que tanto o erastes como o eromenos pertenciam a famílias que tinham a mesma posição social e portanto, os eromenos de hoje seriam os erastes de amanhã e participariam ativamente da vida pública da cidade. Esse relacionamento tinha tempo para terminar, ou seja, quando o jovem se tornasse adulto, nesse momento essa relação amante-pupilo se transformaria em uma relação de amizade e o jovem, agora adulto, deveria buscar seu próprio eromenos e no devido tempo deveria encontrar uma fêmea, casar e ter filhos. Não se levava em conta apenas a idade cronológica, mas também sinais externos, como a primeira barba e a resistência física.
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(Luiz Carlos Pinto Corini: Homoerotismo na Grécia antiga- Homossexualidade, mitos e verdades)

25.1.09

ΚΑΤΑ ΤΙΜΑΡΧΟΥ

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Contra Timarco
Discurso proferido por Ésquines em Atenas no ano 345 a.C.
Contexto Político
Ésquines fora enviado em embaixada para Megalópolis, na Arcádia para preparar uma liga liga pan-helênica contra a Macedônia. O projeto fracassou, e Ésquines percebeu que Atenas ficaria isolada. Em vista disso, Ésquines procurou uma política de concessões. Em 346 a.C. foi encarregado de negociar a paz com os macedônios.
Em 345 a.C., Demóstenes e Timarco acusaram Ésquines de ter sido corrompido por Filipe. Através de brilhante oratória, no discurso Contra Timarco, Ésquines contra-argumentou que Timarco não tinha direito a voz devido à sua depravação, por ter sido o eromenos de muitos homens na cidade portuária de Pireu quando jovem. O argumento foi aceito e Timarco perdeu seus direitos políticos (atimia).
Demóstenes afirma que essa condenação destruiu a carreira política de Timarco. Esse comentário é interpretado por Pseudo-Plutáraco na obra As Vidas de Dez Oradores como indicação que Timarco teria se suicidado. Essa interpretação é contestada por alguns historiadores
Relevância
O discurso Contra Timarco é importante pela extensa citação das leis atenienses, e também pelas informações sobre a tolerância a relacionamentos homosexuais masculinos na época. O discurso mostra que tais relacionamentos entre homens e jovens eram tolerados, desde que baseados em atração mútua. Ésquines menciona suas próprias atrações, disputas e poemas dedicados a meninos. Por outro lado, a prostituição masculina, com sexo em troca de dinheiro, era condenada, como a sentença contra Timarco mostra.
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Se qualquer ateniense se prostituir, não terá permissão para se tornar um dosnove arcontes, para qualquer sacerdócio, para atuar como advogado do povo ou exercer qualquer ofício, em Atenas ou outro lugar, por sorteio ouvotação; não terá permissão para ser enviado como arauto, para fazer qualquer proposta na assembléia dos cidadãos e em sacrifícios públicos,para usar florão, quando todos usarem, para entrar em local de reunião purificado para a assembléia. Qualquer pessoa que, tendo sido condenada por prostituição, desobedecer a qualquer dessas proibições, será condenadaà morte.
Ésquines, Contra Timarco, 21
trad. Ordep Trindade Serra

10.1.09

ΑΝΔΡΙΚΗ ΠΟΡΝΕΙΑ ΣΤΗΝ ΑΡΧΑΙΑ ΕΛΛΑΔΑ

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Prostituição masculina
A Grécia Antiga possuia também uma grande quantidade de πόρνοι / pórnoi, prostitutos. Uma parte deles trabalhava para uma clientela feminina, encontrando-se atestada a existência de gigolos desde a Época Clássica. Na comédia Pluto, Aristófanes coloca em cena uma mulher de idade avançada que gastou todo o seu dinheiro num amante que agora a rejeita. Contudo, a maioria dos prostitutos trabalhava para uma clientela masculina.
Prostituição e pederastia
Ao contrário da prostituição feminina, que envolvia mulheres de todas as idades, a prostituição masculina encontra-se praticamente confinada ao grupo dos adolescentes.
Da mesma maneira que acontecia com a versão feminina, a prostituição masculina não era para os gregos objecto de escândalo. Os bordéis de rapazes existiam não apenas nas zonas do Piréu, Keramaikos, no monte Licabeto, mas um pouco por toda a Atenas. Um dos mais célebres destes jovens prostitutos é sem dúvida Fédon de Élis. Feito escravo durante a tomada da sua cidade, o jovem trabalhou num bordel até que Sócrates o conheceu, tendo o filósofo comprado a sua liberdade. O jovem tornou-se seu discípulo, tendo o seu nome sido atribuído a dos diálogos de Platão, o Fédon que narra os instantes finais da vida de Sócrates. Os prostitutos masculinos encontravam-se também sujeitos ao pagamento de uma taxa.
Prostituição e cidadania
A existência de uma prostituição masculina em larga escala revela que os gostos pederásticos não estavam restritos a determinada classe social. Os cidadãos que não tinham tempo ou disponibilidade para seguir os rituais da pederastia (observar os jovens no ginásio, fazer a corte, oferecer presentes), poderiam recorrer aos prostitutos, que à semelhança das prostitutas encontravam-se protegidos pela lei contra as agressões físicas. Outra razão que explica o recurso à prostituição relaciona-se com os tabus sexuais: os gregos consideravam a prática do sexo oral como um acto degradante. Assim, numa relação pederástica o erastés (amante mais velho) não poderia pedir ao erómenos que praticasse este acto, reservado aos prostitutos.
Apesar do exercício da prostituição ser legal, era mesmo assim uma prática vergonhosa, encontrando-se associado aos escravos ou aos estrangeiros. Em Atenas tinha para um cidadão consequências políticas, nomeadamente a perda dos direitos civícos (atimía). Na obra Contra Timarco, Ésquines defende-se dos ataques de Timarco com a acusação deste ter praticado a prostituição durante a juventude, devendo por isso ser excluído dos seus direitos políticos, como o de apresentar queixa contra alguém.
Preços
Tal como no caso das mulheres, os preços cobrados pelos serviços variam consideravelmente. Ateneu refere-se a um rapaz que oferecia os seus serviços por um óbulo, mas o valor é considerado demasiado baixo. Estratão de Sardes, autor de epigramas, refere uma transacção por cinco dracmas. Uma carta do Pseudo-Ésquines estima em 3000 dracmas o dinheiro ganho por um tal Melanopo, provavelmente durante toda a sua carreira.
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pt.wikipedia.org
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