.
Mulheres que dizem sim
O silêncio se revela mais injusto na leitura de A terceira grinalda, de Kostas Taxtsis. Lançado na década de 60 em seu país e com traduções para nove idiomas, só recentemente a obra ganhou uma versão para o português, feita por Cristiano Amaral, que também assina o prefácio. A publicação é da Odysseus - editora que, como sugere o nome, dedica seu catálogo a obras relacionadas à filosofia e literatura gregas.
Taxtsis era um homem habituado a textos densos, ficou famoso em seu país por traduzir clássicos da filosofia para o grego moderno, em especial obras de Aristófanes. Mas A terceira grinalda é um romance narrado com tamanha fluidez que suas mais de 400 páginas passam despercebidas. O tom coloquial e despretensioso, porém, disfarça uma obra complexa e historicamente rica.
Através de uma divisão rigorosa em capítulos e partes, o autor consegue ordenar com precisão o vaivém caótico das memórias de suas personagens. Alem disso, apresenta um rico registro da vida das famílias da pequena burguesia grega do início do século passado - período politicamente conturbado no país. A Grécia atravessou uma ditadura militar e chegou a ser invadida pelos alemães durante a Segunda Guerra.
A narradora-personagem é Nina, que desfia um rosário das desgraças que já lhe aconteceram - o primeiro marido era homossexual e a traiu com o irmão, o segundo a deixou viúva em meio à ocupação alemã, ela vive em pé-de-guerra com a filha, que, em suas palavras, é “"tão inútil a ponto de não conseguir achar sozinha um noivo”". Poucas são as páginas em que Nina não aproveita para espinafrar a moça.
As lembranças de Nina nos conduzem à vizinha Dona Hécabe, que também é movida a confusão. O filho caçula é um encrenqueiro e, vira-e-mexe, está preso. Tudo o que ela quer é que ele se case - mas coitadas das noras! O mais velho, com quem Nina vem a se casar pela terceira vez (depois da morte de Hécabe), não toma conhecimento da família; as filhas comem o pão que o diabo amassou nas mãos da mãe, que chega a seqüestrar o próprio neto, para afastá-lo da “"filha desmiolada”".
O tom tragicômico que as duas imprimem ao relato é uma das delícias do livro. Não à toa, elas se tornam grandes amigas. O texto encanta por apresentar pequenas ocorrências do dia-a-dia de modo absolutamente detalhado - o cotidiano ganha mais importância do que fatos importantes que marcaram a história grega, como as guerras mundiais, narradas apenas na medida em que afetam pessoalmente suas vidas.
É assim que Taxtsis, nas palavras de Cristiano Amaral, “"faz ecoar a voz estereotipada de tantas e tantas mulheres gregas da pequena burguesia da época”". Mulheres como as personagens alimentam o machismo e os mitos de valentia e masculinidade gregos. Um exemplo é a concepção de casamento da época, considerado, a um só tempo, a única realização importante na vida de uma mulher e uma alavanca social. De grinalda em grinalda, viviam Nina e as mulheres do seu tempo.
Taxtsis, foi militante na resistência à ditadura instalada em seu país em 1967, e assinou manifestos públicos contra a censura. A terceira grinalda serviu de base para um seriado da tevê grega três décadas depois de lançado, na década de 90. Ele morreu em 1988, assassinado em circunstâncias não-esclarecidas na cidade de Atenas. (Folha da Bahia)
***
FICHA
Livro: A terceira grinalda
Autor: Kostas Taxtsis
Tradução: Cristiano Amaral
Mulheres que dizem sim
O silêncio se revela mais injusto na leitura de A terceira grinalda, de Kostas Taxtsis. Lançado na década de 60 em seu país e com traduções para nove idiomas, só recentemente a obra ganhou uma versão para o português, feita por Cristiano Amaral, que também assina o prefácio. A publicação é da Odysseus - editora que, como sugere o nome, dedica seu catálogo a obras relacionadas à filosofia e literatura gregas.
Taxtsis era um homem habituado a textos densos, ficou famoso em seu país por traduzir clássicos da filosofia para o grego moderno, em especial obras de Aristófanes. Mas A terceira grinalda é um romance narrado com tamanha fluidez que suas mais de 400 páginas passam despercebidas. O tom coloquial e despretensioso, porém, disfarça uma obra complexa e historicamente rica.
Através de uma divisão rigorosa em capítulos e partes, o autor consegue ordenar com precisão o vaivém caótico das memórias de suas personagens. Alem disso, apresenta um rico registro da vida das famílias da pequena burguesia grega do início do século passado - período politicamente conturbado no país. A Grécia atravessou uma ditadura militar e chegou a ser invadida pelos alemães durante a Segunda Guerra.
A narradora-personagem é Nina, que desfia um rosário das desgraças que já lhe aconteceram - o primeiro marido era homossexual e a traiu com o irmão, o segundo a deixou viúva em meio à ocupação alemã, ela vive em pé-de-guerra com a filha, que, em suas palavras, é “"tão inútil a ponto de não conseguir achar sozinha um noivo”". Poucas são as páginas em que Nina não aproveita para espinafrar a moça.
As lembranças de Nina nos conduzem à vizinha Dona Hécabe, que também é movida a confusão. O filho caçula é um encrenqueiro e, vira-e-mexe, está preso. Tudo o que ela quer é que ele se case - mas coitadas das noras! O mais velho, com quem Nina vem a se casar pela terceira vez (depois da morte de Hécabe), não toma conhecimento da família; as filhas comem o pão que o diabo amassou nas mãos da mãe, que chega a seqüestrar o próprio neto, para afastá-lo da “"filha desmiolada”".
O tom tragicômico que as duas imprimem ao relato é uma das delícias do livro. Não à toa, elas se tornam grandes amigas. O texto encanta por apresentar pequenas ocorrências do dia-a-dia de modo absolutamente detalhado - o cotidiano ganha mais importância do que fatos importantes que marcaram a história grega, como as guerras mundiais, narradas apenas na medida em que afetam pessoalmente suas vidas.
É assim que Taxtsis, nas palavras de Cristiano Amaral, “"faz ecoar a voz estereotipada de tantas e tantas mulheres gregas da pequena burguesia da época”". Mulheres como as personagens alimentam o machismo e os mitos de valentia e masculinidade gregos. Um exemplo é a concepção de casamento da época, considerado, a um só tempo, a única realização importante na vida de uma mulher e uma alavanca social. De grinalda em grinalda, viviam Nina e as mulheres do seu tempo.
Taxtsis, foi militante na resistência à ditadura instalada em seu país em 1967, e assinou manifestos públicos contra a censura. A terceira grinalda serviu de base para um seriado da tevê grega três décadas depois de lançado, na década de 90. Ele morreu em 1988, assassinado em circunstâncias não-esclarecidas na cidade de Atenas. (Folha da Bahia)
***
FICHA
Livro: A terceira grinalda
Autor: Kostas Taxtsis
Tradução: Cristiano Amaral
Editora: Odysseus
1 σχόλιο:
ODYSSEUS EDITORA LANÇA
A TERCEIRA GRINALDA DE KOSTAS TAXTSIS,
IMPORTANTE OBRA DA LITERATURA GREGA MODERNA
“Um dia, chegando bem tarde em casa, em Paris, encontrei na porta um livro grego, com os seguintes dizeres em letras maiúsculas: “PARA SER LIDO COM PRIORIDADE ABSOLUTA”. Peguei o volume e comecei a folhear as primeiras páginas. Quando o pus de lado, depois de ter lido até a última linha, vi que já amanhecera há muito, e eu ainda nem havia trocado de roupa! Um choque, foi realmente um choque! Finalmente, ali estava o livro esperado, desejado, o livro de um grego sobre a Grécia que não era um romance de tese nem guia folclórico, mas uma obra verdadeira, original, universal! Sim aquela obra que eu tinha nas mãos era o romance intitulado To trito stephani, “A terceira grinalda” – de casamento, de um desconhecido chamado Kostas Taxtsis.
Era um romance que relatava a história de duas mulheres de meios muito diferentes, mas cuja vida, relações, encontros, obsessões, amores, ódios, diálogos e monólogos descreviam, com um sentimento de verdade atordoante, a vida de duas famílias gregas, em Atenas e em Salônica, antes, durante e logo depois da guerra. E isso num texto tão magistral e ao mesmo tempo tão fluido, que não se consegue largar o livro. Sim, uma obra prima.”
Jaques Lacarrière, em Grécia um olhar amoroso
pág. 524, Ediouro, Rio de Janeiro, 2003
A Odysseus Editora lança para o público de língua portuguesa uma obra importante da literatura grega moderna, já traduzida para várias línguas.
Na década de cinqüenta, Kostas Taxtsis morou em diversas cidades da Europa e também na Austrália, escreveu e publicou duas coletâneas de poemas a primeira, intitulada “Simphonia tou Brazilian” e a outra “Kafenio to Bizantio”. Sua obra mais conhecida “A terceira grinalda” foi publicada na Grécia na década de 60 e viria a ser a base para um seriado da TV grega três décadas depois. Militou na resistência à ditadura militar instalada na Grécia em 1967 e assinou manifesto público contra a censura com outros intelectuais. De seus trabalhos de tradução para o grego moderno destacam-se quatro obras de Aristófanes. Taxtsis, conhecido homossexual, foi assassinado em circunstâncias não esclarecidas em Atenas, em 1988.
Δημοσίευση σχολίου