Dimitris Yeros / Grécia
TANTO FITEI (1917)
Tanto fitei a beleza,
que minha visão dela está repleta.
Linhas do corpo. Lábios vermelhos. Membros sensuais.
Cabelos como que tomados de estátuas gregas;
sempre belos, mesmo que despenteados,
caindo, um pouco, sobre as frontes brancas.
Rostos do amor, como os quis
a minha poesia.... nas noites de minha juventude,
em meio as minhas noites, às escondidas, encontrados......
Konstandinos Kavafis / Grécia
Tradução: R. M. Sulis, M. P. V. Jolkesky, A. T. Nicolacópulos
TANTO FITEI (1917)
Tanto fitei a beleza,
que minha visão dela está repleta.
Linhas do corpo. Lábios vermelhos. Membros sensuais.
Cabelos como que tomados de estátuas gregas;
sempre belos, mesmo que despenteados,
caindo, um pouco, sobre as frontes brancas.
Rostos do amor, como os quis
a minha poesia.... nas noites de minha juventude,
em meio as minhas noites, às escondidas, encontrados......
Konstandinos Kavafis / Grécia
Tradução: R. M. Sulis, M. P. V. Jolkesky, A. T. Nicolacópulos
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A noite em que Fernando Pessoa conheceu Konstandinos Kavafis
Uma estranha, mas possível e muito curiosa hipótese, foi-nos recentemente apresentada por Stelios Haralambopoulos no documentário A Noite em que Fernando Pessoa Conheceu Konstandinos Kavafis a bordo do navio Satúrnia, em viagem para o “Novo Mundo”.. Não se trata de uma mentira, ou de um erro de investigação, mas de uma hipótese à maneira pessoana, de mais um desdobramento, um jogo para compreender o outro ficcionalmente. A história deste encontro improvável, entre dois dos maiores poetas do século XX, é contada por Vasilis Kapopoulos. O seu nome foi encontrado num manuscrito inédito de Fernando Pessoa e também numa lista de nomes a quem Kavafis enviava habitualmente os seus poemas.
Entretanto, é descoberto o seu diário e com ele a história que dá nome ao documentário. Kapopoulos, à semelhança do leitor anónimo, podia nunca ter existido, embora tenha um papel fundamental na construção desta história. Na realidade, o que se propõe com isto, para além das apresentações individuais dos dois poetas, é uma forma de os pensar em conjunto, com todos os paralelismos que daqui possam surgir.
Konstandinos Kavafis nasceu em Alexandria a 29 de Abril de 1863 e morreu na mesma cidade, aos 70 anos, no dia do seu aniversário. Era o filho mais novo de nove irmãos, todos rapazes. A família viaja para Inglaterra em 1872, onde permanece por um período de cinco anos, antes da partida para Constantinopla e o regresso definitivo a Alexandria, em Outubro de 1885. Nesta cidade ou em Lisboa, Kavafis e Pessoa, tiveram infâncias semelhantes. A morte prematura dos pais, as viagens constantes, a educação inglesa na África do Sul ou em Inglaterra, em suma, o tempo, com o que ele implica, passado longe de casa. Depois, uma fixação à terra, expresso de modos diferentes no patriotismo de cada um – numa mesma mitificação de país perdido nos dois. Há ainda a sexualidade, a organização em torno de um eu poético e de um eu real, convergindo de forma diferente, mais ou menos erótica (ou homoerótica e até bissexual, no caso de Álvaro de Campos) em cada um deles. “Não me manietei. Dei-me totalmente e fui./Aos deleites, que metade reais,/ metade volteantes dentro da minha cabeça estavam,/fui para dentro da noite iluminada./E bebi dos vinhos fortes, tal/como bebem os denodados do prazer.” (K.K) Em Fernando Pessoa, há um erotismo diferente, “acima das circunstâncias eróticas”, como escreveu Jorge de Sena.
Mas há também, para contrariar isto, os poemas ingleses, Epithalmium e Antinous, que, na verdade, são as excepções obscenas e misóginas, mas também homossexuais, de uma vida quase sempre repleta de renúncia e privação platonizantes. Tal como Kavafis, Pessoa também parece, na grande maioria das vezes, “tingido de indiferença de tudo aceitadora” (Joaquim Manuel Magalhães) mas o que num é castidade, máscara e frustração, no outro é apenas desejo, afecto ou erotismo. Ao contrário de Kavafis, “Pessoa nunca terá podido ou sabido conciliar inteiramente, de forma para ele próprio clara, inequívoca e decisiva, as suas relações internas de “anima” e “animus”, a sua dialéctica psíquica dos princípios feminino e masculino, e daí os recalques, as simulações, o excessivo pudor, as metáforas sobre metáforas e metáforas…” (António Quadros).
De qualquer forma, era noite cerrada. Kavafis e Kapoupolos conversavam sobre Alexandria, quando a figura estranha, magra, meio pálida, meia enferma de Fernando Pessoa, aparece. É Álvaro de Campos, o poeta da Ode Marítima que Kapopoulos conhecera e com quem conversara naquele dia, pela manhã. Mas agora, neste segundo encontro, Pessoa diz ser Fernando e não Álvaro, tal como era frequente acontecer com Ofélia, para exaspero desta. E vemos Kavafis, enleado, libertando-se. Parece que recorda segredos, indícios de um tempo passado, um silêncio arquétipo de que, em suma, consiste a sua sensibilidade. Tem os olhos cheios de uma luz secreta, como se esperasse uma visitação. “Que eu me detenha aqui. E que também eu veja um pouco a natureza./ De um mar da manhã e de um céu sem nuvens/ roxas cores brilhantes e margem amarela; tudo/ belo e grande iluminado.” (K.K) Pessoa, numa semelhante atemporalidade, fixa-se num eu que desapareceu algures “no realizado – uma seriedade integral no escrito” (F.P) depois da multiplicidade das máscaras.
Um e outro envelheceram, foram por caminhos diferentes, e acontece que não se encontraram. No final, a bordo do Satúrnia, já é manhã e os dois poetas vão olhando o horizonte, numa espécie de intimidade final, como se ainda fosse possível conhecerem-se. É uma ficção, mas é como se não fosse. (revistaobscena.com)
Uma estranha, mas possível e muito curiosa hipótese, foi-nos recentemente apresentada por Stelios Haralambopoulos no documentário A Noite em que Fernando Pessoa Conheceu Konstandinos Kavafis a bordo do navio Satúrnia, em viagem para o “Novo Mundo”.. Não se trata de uma mentira, ou de um erro de investigação, mas de uma hipótese à maneira pessoana, de mais um desdobramento, um jogo para compreender o outro ficcionalmente. A história deste encontro improvável, entre dois dos maiores poetas do século XX, é contada por Vasilis Kapopoulos. O seu nome foi encontrado num manuscrito inédito de Fernando Pessoa e também numa lista de nomes a quem Kavafis enviava habitualmente os seus poemas.
Entretanto, é descoberto o seu diário e com ele a história que dá nome ao documentário. Kapopoulos, à semelhança do leitor anónimo, podia nunca ter existido, embora tenha um papel fundamental na construção desta história. Na realidade, o que se propõe com isto, para além das apresentações individuais dos dois poetas, é uma forma de os pensar em conjunto, com todos os paralelismos que daqui possam surgir.
Konstandinos Kavafis nasceu em Alexandria a 29 de Abril de 1863 e morreu na mesma cidade, aos 70 anos, no dia do seu aniversário. Era o filho mais novo de nove irmãos, todos rapazes. A família viaja para Inglaterra em 1872, onde permanece por um período de cinco anos, antes da partida para Constantinopla e o regresso definitivo a Alexandria, em Outubro de 1885. Nesta cidade ou em Lisboa, Kavafis e Pessoa, tiveram infâncias semelhantes. A morte prematura dos pais, as viagens constantes, a educação inglesa na África do Sul ou em Inglaterra, em suma, o tempo, com o que ele implica, passado longe de casa. Depois, uma fixação à terra, expresso de modos diferentes no patriotismo de cada um – numa mesma mitificação de país perdido nos dois. Há ainda a sexualidade, a organização em torno de um eu poético e de um eu real, convergindo de forma diferente, mais ou menos erótica (ou homoerótica e até bissexual, no caso de Álvaro de Campos) em cada um deles. “Não me manietei. Dei-me totalmente e fui./Aos deleites, que metade reais,/ metade volteantes dentro da minha cabeça estavam,/fui para dentro da noite iluminada./E bebi dos vinhos fortes, tal/como bebem os denodados do prazer.” (K.K) Em Fernando Pessoa, há um erotismo diferente, “acima das circunstâncias eróticas”, como escreveu Jorge de Sena.
Mas há também, para contrariar isto, os poemas ingleses, Epithalmium e Antinous, que, na verdade, são as excepções obscenas e misóginas, mas também homossexuais, de uma vida quase sempre repleta de renúncia e privação platonizantes. Tal como Kavafis, Pessoa também parece, na grande maioria das vezes, “tingido de indiferença de tudo aceitadora” (Joaquim Manuel Magalhães) mas o que num é castidade, máscara e frustração, no outro é apenas desejo, afecto ou erotismo. Ao contrário de Kavafis, “Pessoa nunca terá podido ou sabido conciliar inteiramente, de forma para ele próprio clara, inequívoca e decisiva, as suas relações internas de “anima” e “animus”, a sua dialéctica psíquica dos princípios feminino e masculino, e daí os recalques, as simulações, o excessivo pudor, as metáforas sobre metáforas e metáforas…” (António Quadros).
De qualquer forma, era noite cerrada. Kavafis e Kapoupolos conversavam sobre Alexandria, quando a figura estranha, magra, meio pálida, meia enferma de Fernando Pessoa, aparece. É Álvaro de Campos, o poeta da Ode Marítima que Kapopoulos conhecera e com quem conversara naquele dia, pela manhã. Mas agora, neste segundo encontro, Pessoa diz ser Fernando e não Álvaro, tal como era frequente acontecer com Ofélia, para exaspero desta. E vemos Kavafis, enleado, libertando-se. Parece que recorda segredos, indícios de um tempo passado, um silêncio arquétipo de que, em suma, consiste a sua sensibilidade. Tem os olhos cheios de uma luz secreta, como se esperasse uma visitação. “Que eu me detenha aqui. E que também eu veja um pouco a natureza./ De um mar da manhã e de um céu sem nuvens/ roxas cores brilhantes e margem amarela; tudo/ belo e grande iluminado.” (K.K) Pessoa, numa semelhante atemporalidade, fixa-se num eu que desapareceu algures “no realizado – uma seriedade integral no escrito” (F.P) depois da multiplicidade das máscaras.
Um e outro envelheceram, foram por caminhos diferentes, e acontece que não se encontraram. No final, a bordo do Satúrnia, já é manhã e os dois poetas vão olhando o horizonte, numa espécie de intimidade final, como se ainda fosse possível conhecerem-se. É uma ficção, mas é como se não fosse. (revistaobscena.com)
2 σχόλια:
quem assina o texto?
texto: António Quadros Ferro
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