25.10.08

ΟΜΟ-ΕΡΩΤΙΚΗ ΠΟΙΗΣΗ: ΚΩΝΣΤΑΝΤΙΝΟΣ ΚΑΒΑΦΗΣ

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Poesia, memórias e confissões na Alexandria de Kaváfis
Roger Miguel Sulis (UFSC)
Poesia grega moderna; poesia homo-erótica; Konstaninos Kaváfis.
Conhecido como o poeta de Alexandria, Konstantinos Kaváfis (1863-1933) é dono do que José Paulo Paes – seu grande divulgador no Brasil – chama de uma obra poética “exígua mas prodigiosa”
Grande parte dessa obra, ou pelo menos a mais conhecida, versa sobre o corpo, e se desenrola sobre um pano de fundo platônico, mormente um jogo de palavras: σώµα/σήµα, ou seja, corpo/túmuloE em sua obra canônica, tal conjugação se acha impressa nos corpos belos esensuais de mortos jovens e no horror à degradação da velhice, ao corpo velho, já morto para os prazeres.
Digo em sua obra canônica, porque esse jogo de palavras, bem como outros artifícios arteiros, lhe serviram para que se munisse de defesas ao celebrar o amor homossexual no ambiente permissivo e cosmopolita da Alexandria muçulmana, arquitetado no projeto de modernização e renascença cultural de Muhammad Ali, e ao mesmo tempo repressor, então sob ocupação britânica, que impunha uma mimese da moralidade vitoriana
E conquanto sua obra seja hoje reconhecida e admirada, não se pode deixar esquecer que à época, o poeta arriscava que se lhe fechassem as portas, ignorassem, e até mesmo enfrentar um julgamento ou o exílio. Apesar disso, gozava de uma certa tolerância no ambiente aristocrático e nouveau riche da comunidade grega local, pois que não era o único homossexual entre eles.
De fato, e não sem uma fina ironia, sua ousadia e seu sucesso se expressaram na apropriação desse ambiente hostil. Do qual encontra refúgio em quartos miseráveis e infames, tavernas suspeitas, becos imundos, prostíbulos, onde encontram expressão prazeres ilícitos, gozos suspeitos,atrações anômalas, sempre furtivamente, às escondidas, mas também sempre encontrados:
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Seu Princípio
A satisfação do seu prazer ilícito
ocorreu. Levantaram-se do colchão,
e vestem-se apressadamente sem falar.
Saem em separado, furtivamente da casa; e porquanto
caminham um tanto inquietos pela rua, parece
que suspeitam que algo sobre eles denunciaem
que tipo de leito deitaram há pouco.
Mas como a vida do artista ganhou.
Amanhã, depois de amanhã, ou com os anos serão escritos
os versos fortes que aqui tiveram seu princípio.
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De modo a dissimular esse encontro, sua inspiração, com o artifício da memória, raro oferece o que existe, mas o que falta e o que já foi. Percebe-se uma constante e estável deriva da emoção, do eu, em tempo e espaço, a outros personagens. E creio, como Dimarás que essa derivada emoção, tão característica da poesia kavafiana, a partir da percepção estética do Símbolo, proporciona outra operação característica, a de um desvelamento:
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Ímenos
“...Ser amado ainda mais
o prazer que se obtém morbidamente e com depravação;
raro encontrando o corpo que sente como o quer –
que morbidamente e com depravação, proporciona
uma tensão erótica, que a saúde não conhece...”
Fragmento de uma carta
do jovem Ímenos (de família patrícia) notório
em Siracusa por licensiosidade,
nos tempos licenciosos de Mikhail terceiro.
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Aparentemente ambientado na Sicília bizantina do século IX e englobando um outro poema,a peça é um exemplo bem característico da deriva kavafiana. Não só a suposta carta é forjada, comotam bém seu próprio autor. Tal desvelamento de máscaras, porém, parece sugerir não uma posturade auto-repressão ou censura, mas antes, um simples álibi poético. Seja tomando refúgio em épocas passadas, ou personificando papéis de terceiros sua poesia imprime o álibi da ausência, onde, ainda segundo Dimarás, a negação da contemporaneidade ou da pessoalidade funciona com eixo conector de sua inspiração, que se oferece, em um primeiro momento, não pelo que está presente, mas peloque é ausência.
É, todavia, somente em seus escritos inéditos, que encontramos o poeta mais liberto desses artifícios, quiçá mais sincero em relação à sua dor e, por conseguinte, em um tom confessional.
Infelizmente ainda pouco divulgados e conhecidos no Brasil, esses escritos se compõe de umconjunto de 75 poemas, muitos dos quais traziam indicação expressa do autor contra uma futura publicação, e que ficaram esquecidos até sua publicação em 1968. Somam-se a esses poemas uma série de anotações pessoais de tom íntimo e reflexivo, extremamente crípticas e cifradas. Poucas dessas anotações foram publicadas, e estas, não sem antes passar pelas tesouras dos guardiões dosarquivos do poeta. Emblemática e contraditória talvez, a nota de número 5, que em tradução de JoséPaulo Paes lê-se:
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Esta noite me veio a idéia de escrever sobre o meu amor. Entretanto, não vou fazê-lo. Que força tem o preconceito! Eu me libertei dele, mas fico a pensar nos ainda escravizados sob cujos olhos este papel pode eventualmente cair. E me contenho.Que pusilanimidade! Anoto aqui, porém, uma letra – T – como símbolo desteinstante.
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Esse não dizer, dizendo, parece sim reger grande parte da poética kavafiana. E resulta em uma bela confissão poética em:
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Dezembro de 1903
E se sobre meu amor não posso contar –
se não falo de teus cabelos, dos lábios, dos olhos;
teu rosto, porém, que guardo em minha alma,
o som de tua voz que guardo em minha mente,
os dias de Setembro que raiam em meus sonhos,
minhas frases e palavras modelam e colorem
em qualquer tema que eu passe, qualquer idéia que diga.
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O manuscrito do poema traz à margem a indicação A. M., iniciais de um nome, identificadas com Aléxandros Mavrudis, um jovem literato a quem Kaváfis conhecera quando de sua primeira viagem à Grécia e a quem dedicou 3 poemas que ficaram inéditos. Grafados com uma força patética, são os únicos registros literários explicitamente pessoais e aparentemente sinceros, de um Eros que não se apresenta absolutamente carnal. Expressam a dor e hesitação de um homem aos seus quarenta, acostumado a pagar por sexo, e a pagar barato aliás, que se encontra, de todo,abalado por um rapaz de vinte anos:
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Setembro de 1903
Que ao menos com ilusões eu me engane agora;
para não sentir minha vida vazia.
E estive tantas vezes tão perto.
E como me paralisei, e como me acovardei;
por que ficar com os lábios fechados;
e minha vida vazia a chorar dentro de mim,
e meus desejos a vestirem-se de preto.
Estar tantas vezes tão pertodos olhos, e dos lábios eróticos,
do sonhado, amado corpo.
Estar tantas vezes tão perto.
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Para além de um enfrentamento estritamente pessoal, a angústia dessa solidão e isolamento– como bem observa José Paulo Paes tem uma condicionante social. E Paes a observa em uma comparação de Muros de Kaváfis, e Emparedado de Cruz e Souza. Este último, negro, emparedado pelo preconceito racial num doloroso subjetivismo; o primeiro, homossexual, cercado de muros portemer, não sem razão, as sanções de uma moralidade hipócrita, policiada e repressora:
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Assim
Nessa fotografia indecente que às escondidas
na rua (para o policial não ver) foi vendida,
nessa fotografia pornográfica,
como se achou tal rosto
onírico; como te achaste aqui.
Quem sabe que vida degradante, sórdida deves viver;
que abominável seria o ambiente
quando posaste para te fotografarem;
que alma vil será a tua.
Mas com tudo isso, e mais, ficas para mim
como o rosto onírico, o semblante
criado e entregue ao prazer grego –
assim ficas para mim e de ti diz minha poesia.
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Percebo, porém, em Kaváfis, não um resquício de culpa cristã, como o quer Paes, mas o usodo que chamei anteriormente de artifícios arteiros, álibis poéticos, apenas como resguardo de suavoz. Uma voz que, com ousadia, se fez ouvir frente à ortodoxia heterocêntrica.
Em 1918, o poeta ditou a seu herdeiro uma conferência, onde falava abertamente sobre oerotismo em seus poemas. Todo o episódio foi marcado por intrigas e conspirações e escândalos. O ataque foi organizado por um silogeu anarquista, culminando com uma tentativa de seqüestro do conferencista. Com muito atraso a conferência acabou sendo, enfim, entregue, para a perplexidade eescândalo do auditório, que foi, de fato, obrigado a perceber que, dos poemas que foram analisados, todos retratavam um erotismo homossexual, de caráter autobiográfico, dentre eles:
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Os Perigos
Disse Mirtias (estudante Sírio
em Alexandria; sob reinado de
augusto Consta e augusto Constâncio;
em parte pagão, e em parte cristianizante);
“Fortalecido com teoria e estudo,
eu não temerei minhas paixões como um covarde.
Meu corpo entregarei aos prazeres,
aos deleites entressonhados,
aos mais ousados desejos eróticos,
aos ímpetos lascivos do meu sangue, sem
medo algum, porque quando quiser –
e vontade terei, fortalecido
como hei de estar com teoria e estudo –
nos momentos decisivos reencontrarei
meu espírito, como antes, ascético.
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À ousadia e franqueza do hedonismo nesses poemas sucederam-se uma série de ataquesvirulentos a Kaváfis, em artigos moralistas publicados na imprensa local, que não se limitavam à poesia mas sim, que denunciavam a figura do poeta como um outro Oscar Wilde e pareciam indicara possibilidade de um processo judicial, que se descartou após uma verdadeira batalha campal entreos defensores do poeta – em sua maioria jovens, filhos das ilustres famílias gregas de Alexandria –e seus acusantes.
Data de dez anos antes da fatídica conferência um poema em que confessa a esperança emuma sociedade mais perfeita, pois afinal, como também já anotara anteriormente, se a poesia não for redenção, não esper[ava] misericórdia de ninguém...
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Segredos
De tudo o que fiz e tudo que disse
não procurem descobrir quem fui.
Havia uma barreira que transformava
minhas ações e meu modo de vida.
Havia uma barreira que me parava
nas muitas vezes em que ia contar.
Das minhas ações mais insignificantes
e meus escritos mais velados –
só de lá me sentirão.
Mas quiçá não valha à pena gastar
tanto cuidado e tanto esforço para me conhecerem.
No futuro – numa sociedade mais perfeita –
algum outro talhado como eu
decerto aparecerá e livremente fará.

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