25.6.09

ΤΟ ΣΥΜΠΟΣΙΟΝ

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Anselm Feuerbach: Simpósio
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Não muito depois ouve-se a voz de Alcibíades no pátio, bastante embriagado, e a gritar alto, perguntando onde estava Agatão, pedindo que o levassem para junto de Agatão. Levam-no então até os convivas a flautista, que o tomou sobre si, e alguns outros acompanhantes, e ele se detém à porta, cingido de uma espécie de coroa tufada de hera e violetas, coberta a cabeça de fitas em profusão, e exclama: “Senhores! Salve! Um homem em completa embriaguez vós o recebereis como companheiro de bebida, ou deve¬mos partir, tendo apenas coroado Agatão, pelo qual viemos? Pois eu, na verdade, continuou, ontem mesmo não fui capaz de vir; agora porém eis-me aqui, com estas fitas sobre a cabeça, a fim de passá-las da minha para a cabeça do mais sábio e do mais belo, se assim devo dizer. Porventura ireis zombar de mim, de minha embriaguez? Ora, eu, por mais que zombeis, bem sei por¬tanto que estou dizendo a verdade. Mas dizei-me daí mesmo: com o que disse, devo entrar ou não? Bebereis comigo ou não?
Todos então o aclamam e convidam a entrar e a recostar-se, e Agatão o chama. Vai ele conduzido pelos homens, e como ao mesmo tempo colhia as fitas para coroar, tendo-as diante dos olhos não viu Sócrates, e todavia senta-se ao pé de Agatão, entre este e Sócrates, que se afastara de modo a que ele se acomodasse. Sentando-se ao lado de Agatão ele o abraça e o coroa.
Disse então Agatão: - Descalçai Alcibíades, servos, a fim de que seja o terceiro em nosso leito.
- Perfeitamente - tornou Alcibíades; - mas quem é este nosso terceiro companheiro de bebida? E enquanto se volta avista Sócrates, e mal o viu recua em sobressalto e exclama: Por Hércu1es! Isso aqui que e? Tu, ó Sócrates? Espreitando-me de novo aí te deitaste, de súbito aparecendo assim como era teu costume, onde eu menos esperava que haverias de estar? E agora, a que vieste? E ainda por que foi que aqui te recostaste? Pois não foi junto de Aristófanes, ou de qual¬quer outro que seja ou pretenda ser engraçado, mas junto do mais belo dos que estão aqui dentro que maquinaste te deitar.
E Sócrates: - Agatão, vê se me defendes! Que o amor deste homem se me tornou um não pequeno problema. Desde aquele tempo, com efeito, em que o amei, não mais me é permitido dirigir nem o olhar nem a palavra a nenhum belo jovem, serão este homem, enciumado e invejoso, faz coisas extraordinárias, insulta-me e mal retém suas mãos da violência. Vê então se também agora não vai ele fazer alguma coisa, e reconcilia-nos; ou se ele tentar a violência, defende¬-me, pois eu da sua fúria e da sua paixão amorosa muito me arreceio.
- Não! - disse Alcibíades - entre mim e ti não há reconciliação. Mas pelo que disseste depois eu te castigarei; agora porém, Agatão, ex¬clamou ele, passa-me das tuas fitas, a fim de que eu cinja também esta aqui, a admirável cabeça deste homem, e não me censure ele de que a ti eu te coroei, mas a ele, que vence em argumentos todos os homens, não só ontem como tu, mas sempre, nem por isso eu o coroei. - E ao mesmo tempo ele toma das fitas, coroa Sócrates e recosta-se.
Depois que se recostou, disse ele: - Bem, senhores! Vós me pareceis em plena sobriedade. É o que não se deve permitir entre vós, mas beber; pois foi o que foi combinado entre nós. Como chefe então da bebedeira, até que tiverdes suficientemente bebido, eu me elejo a mim mesmo. Eia, Agatão, que a tragam logo, se houver aí alguma grande taça. Melhor ainda, não há nenhuma precisão: vamos, servo, traze-me aquele porta-gelo! exclamou ele, quando viu um com capacidade de mais de oito “cótilas”. Depois de enchê-lo, primeiro ele bebeu, depois mandou Sócrates entornar, ao mesmo tempo que dizia: - Para Sócrates, senhores, meu ardil não é nada: quanto se lhe mandar, tanto ele beberá, sem que por isso jamais se embriague.
Sócrates então, tendo-lhe entornado o servo, pôs-se a beber; mas eis que Erixímaco exclama: - Que é então que fazemos, Alcibíades? Assim nem dizemos nada nem cantamos de taça à mão, mas simplesmente iremos beber, como os que têm sede?
Alcibíades então exclamou: Excelente filho de um excelente e sapientíssimo pai, salve!
- Também tu, salve! - respondeu-lhe Erixímaco; - mas que deve¬mos fazer?
- O que ordenares! É preciso com efeito te obedecer:

pois um homem que é médico
va1e
muitos outros;


ordena então o que queres.
- Ouve então - disse Erixímaco. - Entre nós, antes de chegares, decidimos que devia cada um à direita pro¬ferir em seu turno um discurso sobre o Amor, o mais belo que pudesse, e lhe fazer o elogio. Ora, todos nós já fala¬mos; tu porém como não o fizeste e bebeste tudo, é justo que fales, e que depois do teu discurso ordenes a Sócrates o que quiseres, e este ao da direi¬ta, e assim aos demais.
- Mas, Erixímaco! - tornou-lhe Alcibíades - é sem dúvida bonito o que dizes, mas um homem embriagado proferir um discurso em confronto com os de quem está com sua razão, é de se esperar que não seja de igual para igual. E ao mesmo tempo, ditoso amigo, convence-te Sócrates em algo do que há pouco disse? Ou sabes que é o contrário de tudo o que afirmou? É ele ao contrário que, se em sua presença eu louvar alguém, ou um deus ou um outro homem fora ele, não tirará suas mãos de mim.
- Não vais te calar? - disse Sócrates.
- Sim, por Posidão - respondeu-lhe Alcibíades; nada digas quanto a isso, que eu nenhum outro mais louvaria em tua presença.
- Pois faze isso então - disse-lhe Erixímaco - se te apraz; louva Sócrates.
- Que dizes? - tornou-lhe Alcibíades; - parece-te necessário, Erixímaco? Devo então atacar-me ao homem e castigá-1o diante de vós?
- Eh! tu! - disse-lhe Sócrates - que tens em mente? Não é para carregarno ridículo que vais elogiar-me? Ou que farás?
- A verdade eu direi. Vê se aceitas!
- Mas sem dúvida! - respondeu-lhe - a verdade sim, eu aceito, e mesmo peço que a digas.
- Imediatamente - tornou-lhe Alcibíades. - Todavia faze o seguinte. Se eu disser algo inverídico, inter¬rompe-me incontinenti, se quiseres, e dize que nisso eu estou falseando; pois de minha vontade eu nada falsearei. Se porém a lembrança de uma coisa me faz dizer outra, não te admires; não é fácil, a quem está neste estado, da tua singularidade dar uma conta bem feita e seguida.
“Louvar Sócrates, senhores, é assim que eu tentarei, através de imagens. Ele certamente pensará talvez que é para carregar no ridículo, mas será a imagem em vista da verdade, não do ridículo. Afirmo eu então que é ele muito semelhante a esses silenos coloca¬dos nas oficinas dos estatuários, que os artistas representam com um pifre ou uma flauta, os quais, abertos ao meio, vê-se que têm em seu interior estatue¬tas de deuses. Por outro lado, digo também que ele se assemelha ao sátiro Mársias. Que na verdade, em teu aspecto pelo menos és semelhante a esses dois seres, ó Sócrates, nem mesmo tu sem dúvida poderias contestar; que porém também no mais tu te assemelhas, é o que depois disso tens de ouvir. És insolente! Não? Pois se não admitires, apresentarei testemunhas. Mas não és flautista? Sim! E muito mais maravilhoso que o sátiro. Este, pelo menos, era através de instrumentos que, com o poder de sua boca, encantava os homens como ainda agora o que toca as suas melodias —pois as que Olimpo tocava são de Mársias, digo eu, por este ensinadas - as dele então, quer as toque um bom flautista quer uma flautista ordinárias, são as únicas que nos fazem possessos e revelam os que sentem falta dos deuses e das iniciações, porque são divinas. Tu porém dele diferes apenas nesse pequeno ponto, que sem instrumentos, com simples palavras, fazes o mesmo. Nós pelo menos, quando algum outro ouvimos mesmo que seja um perfeito orador, a falar de outros assuntos, absolutamente por assim dizer ninguém se interessa; quando porém é a ti que alguém ouve, ou palavras tuas referidas por outro, ainda que seja inteiramente vulgar o que está falando, mulher, homem ou adolescente, ficamos aturdidos e somos empolgados. Eu pelo menos, senhores, se não fosse de todo parecer que estou embriagado, eu vos contaria, sob jura¬mento, o que é que eu sofri sob o efeito dos discursos deste homem, e sofro ainda agora. Quando com efeito os escuto, muito mais do que aos coribantes em seus transportes bate-me o coração, e lágrimas me escorrem sob o efeito dos seus discursos, enquanto que outros muitíssimos eu vejo que experimentam o mesmo sentimento; ao ouvir Péricles porém, e outros bons oradores, eu achava que falavam bem sem dúvida, mas nada de semelhante eu sentia, nem minha alma ficava perturbada nem se irritava, como se se encontrasse em condição servil; mas com este Mársias aqui, muitas foram as vezes em que de tal modo me sentia que me parecia não ser possível viver em condições como as minhas. E isso, ó Sócrates, não irás dizer que não é verdade. Ainda agora tenho certeza de que, se eu quisesse prestar ouvidos, não resistiria, mas experimentaria os mesmos sentimentos. Pois me força ele a admitir que, embora sendo eu mesmo deficiente em muitos pontos ainda, de mim mesmo me descuido, mas trato dos negócios de Atenas. A custo então, como se me afastasse das sereias, eu cerro os ouvidos e me retiro em fuga, a fim de não ficar sentado lá e aos seus pés envelhecer. E senti diante deste homem, somente diante dele, o que ninguém imaginaria haver em mim, o envergonhar-me de quem quer que seja; ora, eu, é diante deste homem somente que me envergonho. Com efeito, tenho certeza de que não posso contestar-lhe que não se deve fazer o que ele manda, mas quando me retiro sou vencido pelo apreço em que me tem o público. Safo-me então de sua presença e fujo, e quando o vejo envergonho-me pelo que admiti. E muitas vezes sem dúvida com prazer o veria não existir entre os homens; mas se por outro lado tal coisa ocorresse, bem sei que muito maior seria a minha dor, de modo que não sei o que fazer com esse homem.
De seus flauteios então, tais foram as reações que eu e muitos outros tive¬mos deste sátiro; mas ouvi-me como ele é semelhante àque1es a quem o comparei, que poder maravilhoso ele tem. Pois ficai sabendo que ninguém o conhece; mas eu a revelarei, já que comecei. Estais vendo, com efeito, como Sócrates amorosamente se com¬porta com os belos jovens, está sempre ao redor deles, fica aturdido e como também ignora tudo e nada sabe. Que esta sua atitude não é conforme à dos silenos? E muito mesmo. Pois é aquela com que por fora ele se reveste, como o sileno esculpido; mas lá dentro, uma vez aberto, de quanta sabedoria imaginais, companheiros de bebida, estar ele cheio? Sabei que nem a quem é belo tem ele a mínima consideração, antes despreza tanto quanto ninguém poderia imaginar, nem tampouco a quem é rico, nem a quem tenha qual¬quer outro titulo de honra, dos que são enaltecidas pelo grande número; todos esses bens ele julga que nada valem, e que nós nada somos - a que vos digo - e é ironizando e brincando com os homens que ele passa toda a vida. Uma vez porém que fica sério e se abre, não sei se alguém já viu as estátuas lá dentro; eu por mim já uma vez as vi, e tão divinas me pareceram elas, com tanto aura, com uma beleza tão completa e tão extraordinária que eu só tinha que fazer imediatamente a que me mandasse Sócrates. Julgando porém que ele estava interessado em minha beleza, considerei um achado e um maravilhoso lance da fortuna, como se me estivesse ao alcance, de¬pois de aquiescer a Sócrates, ouvir tudo a que ele sabia; o que, com efeito, eu presumia da beleza de minha juventude era extraordinário! Com tais idéias em meu espírito, eu que até então não costumava sem um acompanhante ficar só com ele, dessa vez, despachando o acompanhante, encontrei-me a sós - é preciso, com efeito, dizer-vos toda a verdade; - prestai atenção, e se eu estou mentindo, Sócrates, prova - pois encontrei-me, senhores, a sós com ele, e pensava que logo ele iria tratar comigo a que um amante em segredo trataria com o bem-amado, e me rejubilava. Mas não, nada disso absolutamente aconteceu; ao contrário, como costumava, se por acaso comigo conversasse e passasse o dia, ele retirou-se e foi-se embora. Depois disso convidei-o a fazer ginástica comigo e entreguei-me aos exercícios, como se houvesse então de conseguir algo. Exercitou-se ele comigo e comigo lutou muitas vezes sem que ninguém nos presenciasse; e que devo dizer? Nada me adiantava. Como por nenhum desses caminhos eu tivesse resultado, decidi que devia atacar-me ao homem à força e não largá-lo, uma vez que eu estava com a mão na obra, mas logo saber de que é que se tratava. Convido-o então a jantar comigo, exatamente como um amante armando cilada ao bem-amado. E nem nisso também ele me atendeu logo, mas na verdade com o tempo deixou-se convencer. Quando porém veio à primeira vez, depois do jantar queria partir. Eu então, envergonhado, larguei-o; mas repeti a cilada, e depois que ele estava jantado eu me pus a conversar com ele noite adentro, ininterruptamente, e quando quis partir, observando-lhe que era tarde, obriguei-o a ficar. Ele descansava então no leito vizinho ao meu, no mesmo em que jantara, e ninguém mais no compartimento ia dormir senão nós. Bem, até esse ponto do meu discurso ficaria bem fazê-lo a quem quer que seja; mas o que a partir daqui se segue, vós não me teríeis ouvido dizer se, primeiramente, como diz o ditado, no vinho, sem as crianças ou com elas, não estivesse a verdade; e depois, obscurecer um ato excepcional¬mente brilhante de Sócrates, quando se saiu a elogiá-lo, parece-me injusto. E ainda mais, o estado do que foi mordido pela víbora é também o meu. Com efeito, dizem que quem sofreu tal acidente não quer dizer como foi senão aos que foram mordidos, por serem os únicos, dizem eles, que a compreendem e desculpam de tudo que ousou fazer e dizer sob o efeito da dor. Eu então, mordido por algo mais dolo¬roso, e no ponto mais doloroso em que se passa ser mordido — pois foi no coração ou na alma, ou no que quer que se deva chamá-lo que fui golpeado e mordido pelos discursos filosóficos, que têm mais virulência que a víbora, quando pegam de um jovem espírito, não sem dotes, e que tudo fazem cometer e dizer tudo - e vendo por outro lado os Fedros, Agatãos, Erixímacos, os Pausânias, os Aristodemos e os Aristófanes; e o próprio Sócrates, é preciso mencioná-lo? E quantos mais... Todos vós, com efeito, participastes em comum do delírio filosófico e dos seus transportes báquicos e por isso todos ireis ouvir-me; pois haveis de desculpar-me do que então fiz e do que agora digo. Os domésticos, e se mais alguém há profano e inculto, que apliquem aos seus ouvidos portas bem espessas.
Como com efeito, senhores, a lâmpada se apagara e os servos estavam fora, decidi que não devia fazer nenhum floreado com ele, mas franca¬mente dizer-lhe o que eu pensava; e assim o interpelei, depois de sacudi-lo: - Sócrates, estás dormindo?
- Absolutamente - respondeu-¬me.
- Sabes então qual é a minha decisão?
- Qual é exatamente? - tornou-¬me.
- Tu me pareces - disse-lhe eu - ser um amante digno de mim, o único, e te mostras hesitante em declarar-me. Eu porém é assim que me sinto: inteiramente estúpido eu acho não te aquiescer não só nisso como também em algum caso em que precisasses ou de minha fortuna ou dos meus amigos. A mim, com efeito, nada me é mais digno de respeito do que o tornar-me eu o melhor possível, e para isso creio que nenhum auxiliar me é mais importante do que tu. Assim é que eu, a um tal homem recusando meus favores, muito mais me envergonharia diante da gente ajuizada do que se os concedesse, diante da multidão irrefletida.
E este homem, depois de ouvir-me, com a perfeita ironia que é bem sua e do seu hábito, retrucou-me: - Caro Alcibíades, é bem provável que real¬mente não sejas um vulgar, se chega a ser verdade a que dizes a meu respeito, e se há em mim algum poder pelo qual tu te poderias tornar melhor; sim, uma irresistível beleza verias em mim, e totalmente diferente da formosura que há em ti. Se então, ao contemplá-la, tentas compartilhá-la comigo e trocar beleza por beleza, não é em pouco que pensas me levar vantagens, mas ao contrário, em lugar da aparência é a realidade do que é belo que tentas adquirir, e realmente é “ouro por cobre” que pensas trocar. No entanto, ditoso amigo, examina melhor; não te passe despercebido que nada sou. Em verdade, a visão do pensa¬mento começa a enxergar com agudeza quando a dos olhos tende a perder sua força; tu porém estás ainda longe disso.
E eu, depois de ouvi-lo: - Quanto ao que é de minha parte, eis aí; nada do que está dito é diferente do que penso; tu porém decide de acordo com o que julgares ser o melhor para ti e para mim.
- Bem, tomou ele, nisso sim, tens razão; daqui por diante, com efeito, decidiremos fazer, a respeito disso como do mais, o que a nós dois nos parecer melhor.
Eu, então, depois do que vi e disse, e que como flechas deixei escapar, imaginei-o ferido; e assim que eu me ergui sem ter-lhe permitido dizer-me nada mais, vesti esta minha túnica - pois era inverno - estendi-me por sob a manta deste homem, e abraçado com estas duas mãos a este ser verdadeira¬mente divino e admirável fiquei deita¬do a noite toda. Nem também isso, ó Sócrates, irás dizer que estou falseando. Ora, não obstante tais esforços meus, tanto mais este homem cresceu e desprezou minha juventude, ludibriou-¬a, insultou-a e justamente naquilo é que eu pensava ser alguma coisa, senhores juízes; sois com efeito juízes da sobranceria de Sócrates - pois ficai sabendo, pelos deuses e pelas deusas, quando me levantei com Sócrates, foi após um sono em nada mais extraordinário do que se eu tivesse dormido com meu pai ou um irmão mais velho.
Ora bem, depois disso, que disposição de espírito pensais que eu tinha, a julgar-me vilipendiado, a admirar o caráter deste homem, sua temperança e coragem, eu que tinha encontrado um homem tal como jamais julgava poderia encontrar em sabedoria e fortaleza? Assim, nem eu podia irritar-me e privar-me de sua companhia, nem sabia como atrai-lo.
Bem sabia eu, com efeito, que ao dinheiro era ele de qualquer modo muito mais invulnerável do que Ájax ao ferro, e na única coisa em que eu imaginava ele se deixaria prender, ei-lo que me havia escapado. Embaraçava-me então, e escravizado pelo homem como ninguém mais por nenhum outro, eu rodava à toa. Tudo isso tinha-se sucedido anteriormente; depois, ocorreu-nos fazer em comum uma expedição em Potidéia, e éramos ali companheiros de mesa. Antes de tudo, nas fadigas, não só a mim me superava mas a todos os outros - quando isolados em algum ponto, como é comum numa expedição, éramos forçados a jejuar, nada eram os outros para resistir - e por outro lado nas fartas refeições, era o único a ser capaz de aproveitá-las em tudo mais, sobretudo quando, embora se recusasse, era forçado a beber, que a todos vencia; e o que é mais espantoso de tudo é que Sócrates embriagado nenhum homem há que o tenha visto. E disso, parece-me, logo teremos a prova. Também quanto à resistência ao inverno - terríveis são os invernos ali - entre outras façanhas extraordinárias que fazia, uma vez, durante uma geada das mais terríveis, quando todos ou evitavam sair ou, se alguém saía, era envolto em quanta roupagem estranha, e amarrados os pés em feltros e peles de carneiro, este homem, em tais circunstâncias, saía com um manta do mesmo tipo que antes costumava trazer, e descalço sobre o gelo marchava mais à vontade que os outros calçados, enquanto que os soldados o olhavam de soslaio, como se o suspeitassem de estar troçando deles. Quanto a estes fatos, ei-los aí:

mas também o seguinte, como o fez
e suportou um bravo


lá na expedição, certa vez, merece ser ouvido. Concentrado numa reflexão, logo se detivera desde a madrugada a examinar uma idéia, e como esta não lhe vinha, sem se aborrecer ele se conservara de pé, a procurá-la. Já era meio-dia, os homens estavam observando, e cheios de admiração diziam uns aos outros: Sócrates desde a madrugada está de pé ocupado em suas reflexões! Por fim, alguns dos jônicos, quando já era de tarde, de¬pois de terem jantado - pois era então o estio - trouxeram para fora os seus leitos e ao mesmo tempo que iam dormir na fresca, observavam-no a ver se também a noite ele passaria de pé. E ele ficou de pé, até que veia a aurora e o sol se ergueu; a seguir foi embora, depois de fazer uma prece ao sol. Se quereis saber nos combates - pois isto é bem justo que se lhe leve em conta - quando se deu a batalha pela qual chegaram mesmo a me condecorar os generais, nenhum outro homem me salvou senão este, que não quis abandonar-me ferido, e até minhas armas salvou comigo. Eu então, ó Sócrates, insisti com os generaispara que te conferissem essa honra, e isso não vais me censurar nem irás dizer que estou falseando; todavia, quando já os generais consideravam minha posição e desejavam conceder-me a insigne honra, tu mesmo foste mais solícito que os generais para que fosse eu e não tu que a recebesse. E também, ó senhores, valia a pena observar Sócrates, quando de Delião batia em retirada o exército; por acaso fiquei ao seu lado, a cavalo, enquanto ele ia com suas armas de hoplita. Ora, ele se retirava, quando já tinham debandado os nossos homens, ao lado de Laques: acerco-me deles e logo que os veja exorto-os à coragem, dizendo-lhes que os não abandonaria. Foi aí que, melhor que em Potidéia, eu observei Sócrates - pois o meu perigo era menor, por estar eu a cavalo - primeiramente quanto ele superava a Laques, em domínio de si; e depois, parecia-me, ó Aristófanes, segundo aquela tua ex¬pressão, que também lá como aqui ele se locomovia “impondo-se e olhando de través”, calmamente examinando de um lado e de outro os amigos e os inimigos, deixando bem claro a todos, mesma a distância, que se alguém tocasse nesse homem, bem vigorosamente ele se defenderia. Eis por que com segurança se retirava, ele e o seu companheiro; pois quase que, nos que assim se comportam na guerra, nem se toca, mas é aos que fogem em desordem que se persegue.
Muitas outras virtudes certamente poderia alguém louvar em Sócrates, e admiráveis; todavia, das demais atividades, talvez também a respeito de alguns outros se pudesse dizer outro tanto; o fato porém de a nenhum homem assemelhar-se ele, antigo ou moderno, eis o que é digno de toda admiração. Com efeito, qual foi Aquiles, tal poder-se-ia imaginar Brasidas e outros, e inversamente, qual foi Péricles, tal Nestor e Antenor - sem falar de outros - e todos os demais por esses exemplos se poderia comparar; o que porém é este homem aqui, o que há de desconcertante em sua pessoa e em suas palavras, nem de perto se poderia encontrar um semelhante, quer se procure entre os modernos, quer entre os antigos, a não ser que se lhe faça a comparação com os que eu estou dizendo, não com nenhum homem, mas com os silenos e os sátiros, e não só de sua pessoa como de suas palavras.
Na verdade, foi este sem dúvida um ponto em que em minhas palavras eu deixei passar, que também os seus discursos são muito semelhantes aos silenos que se entreabrem. A quem quisesse ouvir os discursos de Sócrates pareceriam eles inteiramente ridículos à primeira vez: tais são os nomes e frases de que por fora se revestem eles, como de uma pele de sátiro insolente! Pois ele fala de bestas de carga, de ferreiros, de sapateiros, de correeiros, e sempre parece com as mesmas palavras dizer as mesmas coisas, a ponto de qualquer inexperiente ou imbecil zombar de seus discursos. Quem porém os viu entreabrir-se e em seu interior penetra, primeiramente descobrirá que, no fundo, são os únicos que têm inteligência, e depois, que são o quanto possível divinos, e os que o maior número contêm de imagens de virtude, e o mais possível se orientam, ou melhor, em tudo se orientam para o que convém ter em mira, quando se procura ser um distinto e honra¬do cidadão.
Eis aí, senhores, o que em Sócrates eu louvo; quanto ao que, pelo contrário, lhe recrimino, eu o pus de permeio e disse os insultos que me fez. E na verdade não foi só comigo que ele os fez, mas com Cármides, o filho de Glauco, com Eutidemo, de Díocles, e com muitíssimos outros, os quais ele engana fazendo-se de amoroso, enquanto é antes na posição de bem-¬amado que ele mesmo fica, em vez de amante. E é nisso que te previno, ó Agatão, para não te deixares enganar por este homem e, por nossas experiências ensinado, te preservares e não fazeres como o bobo do provérbio, que “só depois de sofrer aprende”.
Depois destas palavras de Alcibíades houve risos por sua franqueza, que parecia ele ainda estar amoroso de Sócrates. Sócrates então disse-lhe: - Tu me pareces, ó Alcibíades, estar em teu domínio. Pois de outro modo não te porias, assim tão destramente fazendo rodeios, a dissimular o motivo por que falaste; como que falando acessoriamente tu o deixaste para o fim, coma se tudo o que disseste não tivesse sido em vista disso, de me indispor com Agatão, na idéia de que eu devo amar-te e a nenhum outro, e que Agatão é por ti que deve ser amado, e por nenhum outro. Mas não me escapaste! Ao contrário, esse teu drama de sátiros e de silenos ficou transparente. Pois bem, caro Agatão, que nada mais haja para ele, e faze com que comigo ninguém te indisponha.
Agatão respondeu: - De fato, ó Sócrates, é muito provável que estejas dizendo a verdade. E a prova é a maneira como justamente ele se recostou aqui no meio, entre mim e ti, para nos afastar um do outro. Nada mais ele terá então; eu virei para o teu lado e me recostarei.
- Muito bem - disse Sócrates - reclina-te aqui, logo abaixo de mim.
- Ó Zeus, que tratamento recebo ainda desse homem! Acha ele que em tudo deve levar-me a melhor. Mas pelo menos, extraordinária criatura, permite que entre nós se acomode Agatão.
- Impossível! - tornou-lhe Sócrates. - Pois se tu me elogiaste, devo eu por minha vez elogiar o que está à minha direita. Ora, se abaixo de ti ficar Agatão, não irá ele por acaso fazer-me um novo elogio, antes de, pelo contrário, ser por mim elogiado? Deixa, divino amigo, e não invejes ao jovem o meu elogio, pois é grande o meu desejo de elogiá-lo.
- Evoé! - exclamou Agatão; - Alcibíades, não há meio de aqui eu ficar; ao contrário, antes de tudo, eu mudarei de lugar, a fim de ser por Sócrates elogiado.
- Eis aí - comentou Alcibíades - a cena de costume: Sócrates presente, impossível a um outro conquistar os belos! Ainda agora, como ele soube facilmente encontrar uma palavra persuasiva, com o que este belo se vai pôr ao seu lado.

Platão: O Banquete

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